quarta-feira, 10 de outubro de 2012

SOBRE “NINA” E SEUS RESÍDUOS

Texto de Fernando Canto

Não se pode resumir o conto Nina, de Lulih Rojanski, num jogo entre a infância, suas descobertas e entendimentos. Mais que isso, o texto traz palavras e símbolos que se completam como resíduos de um tempo, ali, no chão, onde o narrador/personagem assombra, cresce e amadurece.

O aparente romantismo do conto faz emergir o velho problema do preconceito relacionado a doenças contagiosas e põe na mesa a segregação instigada pelos adultos antes de ser somente a causa da solidão daquela mulher doentia que seria um fantasma na vida do narrador. Nina então é a essência que se desvanece. É parte de um mundo cruel e discriminador, retrato de uma sociedade eivada de mazelas e de morbidez nem sempre aparente.

Cabe ao personagem que narra o fato, a descoberta (simbólica e inconsciente) de sua própria sexualidade, pois dele emana uma relação com uma paisagem luzidia e o desejo ardente de provar o fruto da árvore proibida (aqui, vejam, o reflexo do acontecimento primeiro do homem e sua gênese). O objeto do desejo, caído “entre as flores róseas” (a virtude do amor na linguagem das cores), não escamoteia o orgasmo ao provar o “sabor incomparável” da “fruta mais saborosa”, o jambo, explicito na sua forma fálica. Mas a culpa imputada a si surge apenas enquanto ausência de solidariedade humana aos que sofrem, não em função do ato de furtar.

É bom sempre lembrar que o texto foi escrito por uma mulher, algo nem sempre fácil ou verossímil em inversões dessa natureza, para escritores de ambos os sexos. Isso exprime talento. O texto é poético e traz o sabor e o cheiro de um tempo longínquo, que muitos de nós, em qualquer parte deste país viveu, com seus desejos, medos e fantasmas: ainda resíduos necessários para o amadurecimento.

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