terça-feira, 9 de outubro de 2012

ENTENDA POR QUE O USO DE “DOUTOR” PARA MÉDICOS E ADVOGADOS NÃO É UMA QUESTÃO PURAMENTE GRAMATICAL.

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A palavra “doutor”, no dicionário Houaiss, é classificada como substantivo. Usamos doutor quando um pesquisador foi promovido a um alto grau, como acontece com a pós-graduação. Assim, são doutores aqueles que têm o título de doutorado em alguma disciplina literária, artística ou científica.

Também está dicionarizado o uso da palavra para designar a classe dos médicos, como o exemplo na frase “O doutor veio examinar o doente”. Igualmente, a palavra “doutor” é um substantivo masculino, simples, singular.

Duas acepções, porém, podem causar certo espanto por parte do leitor. Estão catalogados dois usos da palavra: como forma de tratamento respeitoso, usado em reconhecimento de superioridade na hierarquia social; e também no teatro, para o personagem da commedia dell'arte arrolado na categoria dos patrões (geralmente médico ou advogado). Talvez esse espanto venha da percepção de que a língua não é inocente – em cada palavra que usamos (ou que não usamos) mora ideologias, relações de poder e valores salpicados no discurso.

Nas duas acepções, temos o uso de “doutor” para médicos e advogados, profissões que desde o Brasil Império são ícones das classes sociais mais abastadas.

Ainda hoje não podemos negar que tais carreiras são as preferidas pelas classes A e B, mas felizmente a situação econômica do país mudou – e a língua deveria mudar junto com as mudanças sociais, se é que os valores da sociedade mudaram da mesma forma que a situação econômica.

Historicamente, o estabelecimento dessa palavra se deu na nossa língua para marcar uma distinção classista (e racista) como forma de distinguir aqueles mais ricos, que tiveram oportunidade de estudar, dos ignorantes e desprivilegiados. O uso dessa palavra nos casos de distinção social expressa uma falha antiga e atual, que deveria trazer vergonha para toda a população.

Não podemos deixar de ter em mente que, usado ao lado de nomes pessoais, a palavra “doutor” adquire função de pronome de tratamento, da mesma forma que “senhor” ou “Vossa Majestade”, por exemplo. Assim, quando ouvimos “O doutor fulano de tal”, a função de pronome está sendo exercida, assim como o reforço às diferenças sociais.

A jornalista Eliane Brum faz um apelo interessante em sua coluna na revista Época e nos deixa um ponto importante de reflexão para esta semana:
Assim, minha recusa ao “doutor” é um ato político. Um ato de resistência cotidiana, exercido de forma solitária na esperança de que um dia os bons dicionários digam algo assim, ao final das várias acepções do verbete “doutor”: “arcaísmo: no passado, era usado pelos mais pobres para tratar os mais ricos e também para marcar a superioridade de médicos e advogados, mas, com a queda da desigualdade socioeconômica e a ampliação dos direitos do cidadão, essa acepção caiu em desuso”.

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