quinta-feira, 10 de julho de 2014

Parabéns, Leonardo Mont'Alverne


Há oito anos escrevi a crônica abaixo e a publiquei no Jornal do Dia. Hoje meu querido neto Leonardo Mont’Alverne faz dez anos. Parabéns, Leléo. O carinho é sempre o mesmo.

 
NETOS, AVÓS E PARENTESCO (*)

Fernando Canto

            Imagine aquela pessoa chegar, adentrar o seu quarto e começar a mexer em tudo, a apertar botões, tirar as coisas do lugar, jogá-las no chão, e você fica ali. Parado. Sem dizer nada. Esperando o desfecho das coisas com passividade e calma. Não. Não é um assalto, não há nenhum bandido lhe ameaçando.  
           
É seu neto de dois anos que chegou para mais uma visita ansiosamente esperada. Mais bobo ainda, você o convence a bagunçar mais, a fazer festa com controles remotos, com o ar condicionado, o rádio, e qualquer outro objeto que estiver no local. E ainda participa de coisas que até então não admitiria que seu filho fizesse. Jamais deixaria que as pessoas vissem o seu garoto como um mal-educado, sem formação familiar, alguém descontrolado, sob pena dos olhares de censura. Mas não é o seu filho. É o seu neto de dois anos que está ali. Desfrutando, talvez uma liberdade imensurável que a liberalidade dos avós permite em nome de um sentimento que só se conhece quando se é o pai do pai, mesmo torto, o padrasto do enteado, mas referência inelutável de parentesco.

            O mito de que uma criança criada pela avó pode ter desvio de caráter no futuro não passa de um preconceito arraigado. É possível que a ausência dos pais, nesse caso, leve ao excesso de mimos e de satisfações de vontades. Há quem diga que a relação avós/netos é a oportunidade que os primeiros têm de consertar os erros que cometeram com os filhos, dando aos segundos o que não puderam dar a estes.                  

            Aliás, voltando à questão do parentesco, sabe-se que é um termo pouco preciso para denominar relações entre pessoas, baseadas em certas formas de afinidade comum, real ou suposta. Para a sociologia é preciso reconhecer a distinção entre parentesco meramente biológico e parentesco socialmente reconhecido. Supõe-se que pode haver ligações consangüíneas às quais falta o reconhecimento social, aonde a consangüinidade não conduz a nenhuma forma de relação social. Já o parentesco socialmente reconhecido nem sempre repousa sobre uma base realmente consangüínea. Portanto, hoje o parentesco é de uma classificação mais complexa, mormente se se levar em conta os divórcios e os casamentos que separam e unem ex-famílias nucleares para a formação de outras. E isso é muito característico das sociedades ocidentais, que também são consideradas num sistema de parentesco como bilaterais, pois os parentes são pessoas do lado dos dois pais. A confusão se forma quando não há consangüinidade, apesar dos filhos dos dois pais diferentes e unidos pelo casamento sejam agora “irmãos”.

            Não é bem isso que eu queria dizer quando falo do meu neto torto. ( – Torto é o avô, diriam). Porém as condições de amar revelam que a consangüinidade não é tudo. Um carinho é um caminho bastante usual para a conquista, mas a atenção excessiva que permite o neto ser o rei e reinar, ser o centro das atenções e saber disso, levam à satisfação de que independentemente de parentesco temos que dar às crianças o máximo possível de amor. Pois o amor, seja ele qual for, é o “produto” garantidor da nossa existência na memória delas.

(*) Publicado no Jornal do Dia em 2006.