quarta-feira, 23 de setembro de 2015

QUATRO DÉCADAS DO GRUPO PILÃO

Juvenal Canto, Leonardo Trindade, Eduardo Canto e Fernando Canto em gravação de matéria para a TV Amapá, 23/09/15.

Texto de Fernando Canto
No dia que antecedeu nossa apresentação no IV Festival Amapaense da Canção, fiz uma maratona levando no ombro um pilão de madeira de lei que pesava mais de 30 quilos. Carreguei esse artefato do bairro Jacareacanga ao Morro do Sapo, no Laguinho, depois de pedi-lo emprestado à Dona Tertuliana, mãe dos meus amigos João, Jorge e Dora Lima, que até hoje me cobram a devolução. Ele foi usado como instrumento de percussão na música “Geofobia”, de minha autoria e de Jorge Monteiro, classificada para o dito festival.
Apresentamos a música, eu, meu irmão Juvenal e o Bi Trindade, a essa altura meu amigo do conjunto “Fambers” do Grêmio Jesus de Nazaré. Estava formado, então o Grupo Pilão nesse dia 25 de setembro de 1975. E o Bi seria o primeiro pilonista do mundo. A música foi classificada para a final no dia 25 e a turma do Laguinho foi em peso para torcer por nós.

Jornal do Povo, edição de 27/09/75
Entretanto, nada ganhamos. Por ironia fui eu que fiz os arranjos das músicas do Sílvio Leopoldo (que estava em Belém estudando na UFPA) e as duas músicas dele ficaram respectivamente em primeiro e segundo lugar interpretadas pelo Manoel Sobral. Houve protesto manifestado pelo pessoal do Laguinho que gritava em passeata na frente da Rádio Difusora, onde fora realizado o evento. Diziam que era “masturbação cultural”, roubo, preconceito contra a turma do Laguinho e conservadorismo, por não entenderem que o novo sempre pode ser bom. Carregavam o Pilão e gritavam, sob a liderança do poeta Odilardo Lima. Na edição seguinte, o Jornal do Povo estampou a matéria com a seguinte manchete: “Festival terminou com vaias ao júri caduco e alienado”, uma clara simpatia ao grupo.
O tempo passou e cinco anos mais tarde o cantor baiano Raimundo Sodré apresentou no festival da TV Globo a música “A Massa”, usando um pilão como instrumento musical, o que foi considerado inovador pela grande mídia. A música foi um grande sucesso.

Jorge Herberth, Bi Trindade, Oswaldo Simões, Fernando e Juvenal Canto,
no show "Quebranto Batucado", de 1983.
O Pilão, que já usava coisas do Marabaixo na época de sua fundação, continuou inovando com projetos que valorizassem a música e a cultura de nossa terra. Fez inúmeros shows, participou de festivais culturais em Caiena e em Kourou, em Belém, Maceió e Brasília, entre tantos outros lugares, divulgando a música regional e folclórica do Amapá. Gravou três discos (com cerca de 50 músicas) e mapeou a música popular do Estado desde o Marabaixo ao Coatá, das músicas indígenas de trabalho ao Boi-Bumbá, das Folias e Ladainhas ao Batuque e às canções de pássaros. Realizou projetos nas escolas da capital e do interior onde ninguém ou quase ninguém conhecia nossa cultura, fez ensaios públicos nas praças, tocou nos teatros, na penitenciária, colégios e clubes de serviços, em botecos, ruas e balneários e em todo lugar que era chamado para dar uma “palinha”, sempre ou quase sempre na base do “paga beijo”. Apoiou e participou ativamente de projetos como a Marabaixeta, que resgatou o Marabaixo, agônico àquela época. Enfim, fez o que tinha que ser feito, pois sabíamos que teríamos seguidores confessos como os que estão aí, hoje, realizando o seu trabalho na chamada MPA.
Mesmo lutando com dificuldade, com a falta de apoio em seus projetos, dos quais alguns foram negados para aparecerem depois com outros nomes nas hostes governamentais, tivemos o apoio popular que até hoje dignifica o nome do grupo e o reconhecimento popular de comunidades e da câmara de vereadores.

Bi Trindade, Leonardo Trindade, Eduardo Canto,
Orivaldo Azevedo, Fernando e Juvenal Canto,
em preparação para o show "Encantaria", realizado na |UNA
em 2011.
Agradecemos assim, penhoradamente, a todos que nos honraram com o reconhecimento nesses quarenta anos de disseminação dessa bela cultura e música amazônica, pela nossa terra, nosso mundo identitário.
Da minha parte agradeço a todos os que um dia fizeram parte deste grupo, pelo seu importante trabalho que nos sensibilizou pela parceria, tais como Neck, Paulo da Piçarra, Osmar Marinho, Nando, Edson Maciel, Osvaldo Simões, Jorge Herberth, Marilene Azevedo e Déa.  E a todos os músicos que sempre nos acompanharam e arranjaram nossas músicas, bem como aos produtores, maquiadores, contrarregras, diretores, costureiros, técnicos de som, de luz e de palco. Agradeço do fundo do coração ao meu amigo Tito Melo pelo tempo que passou conosco e que nos deixou em janeiro deste ano para sempre.
Agradeço em especial ao meu querido irmão de música Bi Trindade, presente todos os instantes no meio de nós, por sua contribuição para o fortalecimento da música popular amapaense como cantor, compositor e tradutor de músicas para o idioma francês.
Aos atuais (e de sempre) meus irmãos Juvenal Canto, grande pesquisador de músicas folclóricas, Eduardo Canto, compositor e percussionista, ao Leonardo Trindade, violonista virtuoso e Orivaldo Azevedo, percussionista e historiador, os mais novos, que estão há quase trinta anos no Grupo, pelo companheirismo que nos uniu todos estes anos em busca da consistência e da identidade da música amapaense. Agradeço a todos os que de alguma forma nos ajudaram na divulgação dessa nobre missão, o que seria impossível listá-los: técnicos, produtores, radialistas, jornalistas e fãs, e a alguns governos municipais e estaduais que em algum momento reconheceram a importância do Grupo a para a divulgação da música amapaense, ainda em amadurecimento.
Que venham pelo menos mais trinta anos com a gente sempre unidos pela mesma causa.

Obrigadão do Fernando, Juvenal, Orivaldo, Eduardo e Leonardo.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

DEPOIS DA TRAVESSIA


Foto disponível em: http://www.panoramio.com/photo/60848158

DEPOIS DA TRAVESSIA

Aqui o estreito:
Como as ruas da tua mãe europeia,
Como o rastro da lendária cobra
A apaziguar-se lentamente
Ao sonho de tuas construções.

Ainda agora velhos aposentos aconchegam
As mãos que brindam

Foto disponível em:
http://oficinadecestas.blogspot.com.br/

O cálice do vinho/ o púcaro/ a xícara
A chávena de louça, cristais e porcelanas
Tilintantes ao som de um novo tempo





Foto disponível em:http://www.marcelodalla.com/



Como a flor do bougainville nos jardins

Brotando sob a lua cheia.






CANTO, Fernando. Canção do Amor Enchente. AALO. Belém:2012

domingo, 12 de julho de 2015

PRÓLOGO

Fernando Canto em Óbidos, 2009

PRÓLOGO
O mundo cabia
Dentro de um caroço escuro e rude
Mas Deus disse:                                                       
“- Fiat Oppidum!”
E o verbo fez-se em trajes majestosos
E em mágico presente de rainhas.

Do caos se organizaram vilas
Muralhas e castelos se enfeitaram de história
Em séculos cobertos de azulejos
- Cenas do oceânico traslado -
Em naus lambadas pelo Mar,
Com os seus canhões calados
Fustigados de procelas Amazônicas.

CANTO, Fernando. Canção do Amor Enchente. AALO. Belém:2012


segunda-feira, 8 de junho de 2015

Canto da Amazônia: O DISCURSO DISCRIMINADOR DO MARABAIXO

Canto da Amazônia: O DISCURSO DISCRIMINADOR DO MARABAIXO

O DISCURSO DISCRIMINADOR DO MARABAIXO

Foto disponível em www.blogderocha.com.br 
Foto disponível em
http://gabriel-penha.blogspot.com.br/
Diante de mais um fato etnocêntrico de um delegado que ameaçou parar as festas do Marabaixo, publico este texto conclamando todos os amapaenses a defender nossa cultura ancestral (F.C.)
O DISCURSO DISCRIMINADOR DO MARABAIXO (*)
Texto de Fernando Canto
Para o amigo Herialdo Monteiro
Não é de hoje que o Marabaixo é discriminado. Aliás, as manifestações culturais de origem africana sempre foram vistas como ilegais ao longo da história do Brasil. Do samba à religião, seus promotores foram vítimas de denúncias que os boletins de ocorrências policiais e os processos judiciais relatam como vadiagem, prática de falsa medicina, curandeirismo e charlatanismo, entre outras acusações, muitas vezes com prisões e invasões de terreiros.
Essa discriminação ocorreu - e ainda ocorre - em contextos históricos e sociais diferenciados, e veio produzida por instituições que tinham o objetivo de combater o que lhes fosse ameaçador ou que achassem associadas às práticas diabólicas, ao crime e à contravenção.
No caso do Marabaixo, há anos venho relatando episódios de confronto entre a igreja católica (e seus prepostos eclesiásticos e seculares), e os agentes populares do sagrado, estes que, por serem afrodescendentes, mestiços e principalmente por serem pobres, foram e são discriminados, visto o ranço estereotipado de que são “gente ignorante” e supersticiosa.
É do século XIX a influência do evolucionismo que tomava como modelo de religião “superior” o monoteísmo cristão e via as religiões de transe como formas “primitivas“ ou “atrasadas” de culto. Para Vagner Gonçalves da Silva (Revista Grandes Religiões nº 6), nesse tempo “religião” opunha-se a “magia” da mesma forma que as igrejas (instituições organizadas de religião) opunham-se às “seitas” (dissidências não institucionalizadas ou organizadas de culto). 
É do século XIX também os primeiros escritos sobre o marabaixo. Em um deles um anônimo articulista o ataca, dizendo-se aliviado porque “afinal desaparece o o infernal folguedo, a dança diabola do Mar-Abaixo”.
Ele afirma que “será uma felicidade, uma ventura, uma medida salutar aos órgãos acústicos se tal troamento não soar mais...”. Na sua narrativa preconceituosa vai mais além ao dizer que
“Graças ao Divino Espírito-Santo, symbolo de nossa santa religião, que só exige a prática de bôas acções, não ouviremos os silvos das víboras que dansam ao som medonho dos gritos dos maracajás (...), que é suficiente a provocar doudice a qualquer indivíduo”. Assevera adiante “Que o Mar-Abaixo é indecente, é o foco das misérias, o centro da libertinagem, a causa segura da prostituição”. E finaliza conclamando “Que os paes de famílias, não devem consentir as suas filhas e esposas frequentarem tão inconveniente e assustador espetáculo dessa dansa, oriunda dos Cafres”. (Jornal Pinsonia, 25 de junho de 1898)
Discursos de difamação do Marabaixo como este e a posição em favor de sua extinção ocorreram seguidamente. O próprio padre Júlio Maria de Lombaerd quebrou a coroa de prata do Espírito Santo que estava na igreja de São José e mandou entregar os pedaços aos festeiros. O povo se revoltou e só não invadiu a casa padre para matá-lo graças à intervenção do intendente Teodoro Mendes.
Com a chegada do PIME – Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras - em Macapá (1948) o Marabaixo sofreu um período de queda, mas suportado com tenacidade por Julião Ramos, que não o deixou morrer. Tiraram-lhe inclusive a fita da irmandade do Sagrado Coração de Jesus, da qual era sócio fiel. 
Nesse período os padres diziam que o Marabaixo era macumba, que era coisa ruim, e combatiam seus hábitos e crenças, tidos como hediondos e pecaminosos, do mesmo jeito que seus antecessores o fizeram no tempo da catequização dos índios. Mas o bispo dessa época, D. Aristides Piróvano, considerava Mestre Julião “um amigo” (Ver Canto, Fernando in “A Água Benta e o Diabo”. Fundecap, 1998)
O preconceito dos padres italianos com o Marabaixo tem apoio num lastimável “achismo”. Os participantes são católicos e creem nos santos do catolicismo, tanto que a festa é dedicada ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade e não a entidades e voduns como pensam. Nem ao menos há sincretismo nele. 
Colheita da Murta
Foto: Fernando Canto: Arquivo pessoal
E se assim fosse? Qual o problema? Antes de emitirem um julgamento subjetivo sobre um fato cultural é preciso conhecê-lo. É preciso ter ética. Ora, sabe-se que todos os sistemas religiosos baseiam-se em categorias do pensamento mágico. Uma missa ”comporta uma série de atos simbólicos ou operações mágicas” (Vagner Silva op. cit.). Observem-se as bênçãos, a transubstanciação da hóstia em corpo de Cristo, por exemplo. Um ritual de umbanda comporta a mesma coisa. O Marabaixo tem rituais próprios, ainda que um tanto diferentes. Por isso e apesar do preconceito ainda sobrevive. Valei-nos, Santo Negro Benedito!

(*) Do livro “Adoradores do Sol – Novo Textuário do Meio do Mundo”. Scortecci, São Paulo, 2010

terça-feira, 3 de março de 2015

CIDADE DAS ÁGUAS. De Voice of Spring ao Profeta do Ver-O Peso


Foto:www.souparaense.com

Tenho o hábito de reler livros que apreciei um dia, mas que à época não sorvi direito a totalidade de seus escritos. Hoje, ao imergir nas profundezas de um livro publicado pelas editoras Paka-Tatu e RGB, em 2004, o “Cidade das Águas”, louvo os textos dos autores Ronaldo Franco e Alfredo Garcia, ambos paraenses. Numa soberba homenagem à Belém e sua chuva, os poetas realizam uma espécie de libação memorial à Cidade das Mangueiras, despindo-a de máscaras e conduzindo a observação imprescindível nos detalhes, a matéria-prima que os poetas transformam em literatura. Em “Cantos sobre a Cidade das Águas” há a estrofe: “Não é o som do rio que ouço/ mas o caminhar do vento/ Pelas sombras/ Mapeando as entranhas/ Do verso/ Indo ao mais longe/ Da memória”. São poemas sobre poemas como o 15º, onde se evocam fantasmas num tempo suspenso no arranha-céu da lembrança, pois: “Os sopros da memória/ Rascunham versos/ Nos caminhos do vento/ E este abre a janela/ Dos casarões/ Onde ainda valsam/ Pelos corredores/ senhores de pincenê/ Senhoras farfalhando/ Alegres/ e se pode ouvir/ Risos às escâncaras/ E volteios delicados/ Ao som/ De Voice of Spring.” Ronaldo Franco ainda nos brinda com poemas como “Esse Ruy é minha rua” e com a crônica “Procura-se”, quando vivifica e tange o desejo [do] brasileiro em tradução livre do poeta: “Nádegas brasileiras. A nossa pátria abunda. Nádegas japonesas, nunca! Nádegas comunistas convocam posseiros. Viva as nádegas de Raimundas!”    
Foto: www.noticias.uol.com.br
Depois vem Alfredo Garcia, poeta respeitável e prosador aguçado com seu “Barca Barroca: Contos do Ver-O-Peso”, onde “O Profeta em Delírio no Ver-O-Peso” explicou: “Porque será só como uma só noite infinda. Assim será, oh sim, quando vier o que está escrito. Porque não haverá este rio, esta calmaria de cidade dormitando pelas ruas da tarde, assim como ora veem. Muitos e muitos rios, um grande desassossego brotará de todos os lados.”

“Cidade das Águas” antes de ser apenas um livro plural, é uma reunião de textos de qualidade. Cada verso, cada frase aborda o habitat desses poetas que absorvem, espremem e põem ao coarador literário um pano memorial eivado de crítica e de ternura pela cidade de Belém.

            

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

TIA ZEFA, MINHA RICA MÃE NA VÉSPERA DE UM SÉCULO



Texto de Fernando Canto

               


Foto: Fernando Canto - Arquivo pessoal
Hoje, 26 de fevereiro de 2015, uma das mais antigas moradoras do bairro do Laguinho, dona Josefa Lino da Silva, completa 99 anos.

Carinhosamente conhecida como Tia Zefa, ela é mãe dos meus queridos amigos José Pedro da Silva Ramos, José Isaías (Também conhecido por “Joaquim” ou “Bomba D’água”), Aureliano “Neck”, Joana (falecida), Raimunda Lina, Fina, Ana (falecida) e Rita. É avó do Nilson “Estilizados” (Puxador de Samba), da Paulinha, do Jairo (Porta Bandeira e Mestre Sala dos Estilizados, respectivamente), do Cauã (Mestre Sala Mirim), dos gêmeos batuqueiros Pedro e Paulo e de vários outros componentes da Escola.

Tia Zefa foi uma das habitantes do centro de Macapá que foi remanejada para o bairro do Laguinho em 1944, quando da expansão territorial da capital executada pelo governador Janary Nunes. Reside ainda no mesmo lugar, ali na frente do antigo campo dos escoteiros, onde depois construíram a Cobal e que agora é a sede do SEBRAE, na Avenida Ernestino Borges.
 Ainda hoje ela é vista varrendo a frente de sua casa. Mesmo contrariando os filhos, que pagam uma empregada doméstica para o serviço, ela lava, cozinha e cuida da casa. Nas procissões de São Benedito, padroeiro do bairro e de São José, padroeiro da cidade, lá está ela acompanhando as imagens com os fiéis, às vezes até descalça. No ciclo do Marabaixo lá está ela, dançando, com quase a mesma disposição, lembrando dos velhos tempos. Sua lucidez permitiu que muitos estudantes e pesquisadores pudessem conhecer nosso folclore e a história dos afrodescendentes locais através dos versos dos ladrões de Marabaixo.

Neste momento em que está ocorrendo uma missa de Ação de Graças pelo seu aniversário, junto-me ao sentimento de todos seus familiares pela longa presença dessa pessoa iluminada na face do planeta, que carrega o fado de saber das nossas coisas e de tê-las testemunhado. Louvo, assim, sua preciosa memória que é plena de significados individuais e coletivos e fonte inesgotável de informações. Ela é sujeito da história e voz de muitos sujeitos. Sua memória permitiu a recuperação de uma visão de mundo, pois vivenciou a experiência e nos deu a riqueza de uma história mais comovente e verdadeira.

A Tia Zefa também é compositora. Entre tantos ladrões que cantam nas festas de Marabaixo sem saber o verdadeiro autor, ela nos deixou estes versos:
                Mamãe, minha rica mãe
                Ora veja o mundo como é que está
                Ainda há moça que se ilude
                Por moço deste lugar.

Foto: Fernando Canto - Arquivo pessoal
A contribuição da Tia Zefa, nestes últimos tempos em que se percebe uma necessidade vital de se trabalhar em busca da identidade local, foi fornecer matéria-prima para tantos TCC’s, monografias, dissertações e teses. Essas pesquisas evitam a diluição e os esquecimentos de circunstâncias e momentos não registrados. A memória da Tia Zefa é, então, o segredo da identidade, porque vive o que não somos mais.
Perto de completar um século, e saudável, física e mentalmente, Tia Zefa traz esse privilégio de poucos. Respeitadora do sentimento alheio, não fez nenhuma festa devido ao recente falecimento de sua irmã e das amigas Ondina e Chiquinha do Bolão, outras mulheres negras e representativas da cultura popular do Amapá.

Deixo aqui para a Tia Zefa, seus filhos e descendentes, minhas felicitações pelo seu aniversário de 99 anos. Que Deus a proteja sempre e que ela continue a nos ensinar com a sua humildade e conhecimento as coisas do Amapá, pois ela sabe também que não são só as moças “que se iludem com os moços deste lugar”. Todos nós nos iludimos com as coisas: nós eleitores, nós consumidores, principalmente quando a memória trai e o tempo faz esquecer a política e os valores humanos mais importantes. Parabéns, Tia Zefa (Minha Rica Mãe), pelo aniversário e pelo seu legado.

                

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

De novo o nome do Teatro.

 
Foto: edgar-amapa.blogspot.com
 Como são as coisas... Uma postagem irresponsável (Sim, porque a informação está incompleta: quem são os que “querem” acrescentar o nome do Pádua ao Teatro das Bacabeiras?) no FB do publicitário Walter Junior do Carmo fez emergir mágoas acumuladas há quase trinta anos. A Alcinéa não perdoa ninguém pelo fato de não ter sido dado ao Teatro o nome do querido poeta e meu amigo Alcy Araújo. O Olivar Cunha que o diga, pois desde essa época ela tem ódio do pintor, por uma declaração que ele fez à TV Amapá. E nunca houve esse negócio de o governador Jorge Nova da Costa querer dar o nome do Alcy. Tudo foi originado por uma carta assinada pelo irmão da Alcinéa protocolando o pedido para que o governador desse o nome dele ao Teatro. Mas Jorge Nova chamou os artistas e produtores culturais para debater o assunto, já que a informação tinha vazado e os artistas fizeram um abaixo-assinado se posicionando contra. Foram dadas muitas sugestões de nomes, tais como Pororoca, Mururé, Encontro das Águas, Bacabeiras, etc. Venceu o nome Teatro das Bacabeiras pelo fato de trazer o nome que supostamente originou a palavra Macapá e, por isso mesmo se identificar com as coisas da terra.

   O debate em curso agora vem ganhando outra conotação que não o acréscimo do nome do Pádua ao Teatro, tudo por conta da vaidade, da mágoa, do ódio, do rancor e da mentira. Devo dizer à prezada poeta Alcinéa que eu não tenho nenhuma música com o nome Pérola Negra, e olha que eu conheço todas elas. Tenho, sim, uma música chamada Pedra Negra, que fala sobre o problema da exploração do manganês na Serra do Navio, apresentada no I FUMAP, em 1979, e gravada em 1986 pelo grupo Pilão. Se alguém sugeriu esse título decerto não fui eu. Nem preciso disso. Não tenho essas vaidades. Eu tenho boa memória e há muitos anos trabalho na área da cultura buscando o fortalecimento de nossa identidade, inclusive estudando a fundo o assunto, que ora é objeto de pesquisa, juntamente com a Fortaleza de São José de Macapá, da minha tese de doutorado institucional em Sociologia na UFC.


   Sobre a possível mudança do nome do Teatro já dei minha opinião no texto originário do FB do Walter. Eu reafirmo que o Pádua foi um grande amigo que tive e continuo acreditando que ele merece reconhecimento póstumo. Ainda continuo defendendo o nome Teatro das Bacabeiras, mais fortalecido ainda pelos comentários dos amapaenses e pela vontade daqueles que na época – a maioria dos artistas – elegeram democraticamente o nome da nossa casa de espetáculos, provando que não existe esse negócio de “vontade política” do governante, mas sim pressão popular.