sexta-feira, 26 de outubro de 2012

EZEQUIEL 25 – 17

Conto de Ademar Ayres do Amaral

ademar@amazon.com.br

- Você lê a Bíblia? - pergunta Jules Winnfield, um dos matadores de aluguel de Pulp Fiction, talvez o melhor papel do ator Samuel Jackson no cinema. Trabuco engatilhado em riste diante da vítima indefesa e assustada pelo espectro da morte iminente, ele acrescenta :

- Você já leu Ezequiel 25 – 17 ?

E sem dar tempo, cita a famosa passagem do livro sagrado, adaptada e enxertada pelo diretor Quentin Tarantino, sinal derradeiro e impiedoso para a execução sumária que se segue.

"O caminho do homem justo é rodeado por todos os lados pelas injustiças dos egoístas e pela tirania dos homens maus. Abençoado é aquele que, em nome da caridade e da boa-vontade pastoreia os fracos pelo vale da escuridão, pois ele é verdadeiramente o protetor de seu irmão e aquele que encontra as crianças perdidas. E Eu atacarei, com grande vingança e raiva furiosa aqueles que tentam envenenar e destruir meus irmãos. E você saberá: chamo-me o Senhor quando minha vingança cair sobre você".

Aí, bam! bam!, bam!, num transbordamento de violência que só esse diretor sabe imprimir.Cena corriqueira que eu já assisti sabe-se lá quantas vezes, e que nem sempre foi assim. Passei pelo menos uns dez anos sem conseguir chegar neste pedaço, porque não conseguia entender o jeito diferente, mas genial do mestre Tarantino fazer cinema. Quem ainda não viu o último filme dele, Bastardos Inglórios, não viu nada da sétima arte desde 2009.

Minha demorada cegueira começou a enxergar a luz, quando um amigo me emprestou Pulp Fiction, sem saber que eu já fizera quatro tentativas de assistir o filme e que nunca passara dos 15 primeiros minutos. Acostumado a assistir obras primas como Rio Bravo(já vi mais de 60 vezes) com roteiros retos e lógicos, achava Pulp Fiction uma coisa totalmente amalucada. A cena final, aquela manjada da nossa infância em que o The End aparecia em cima do beijo do herói na mocinha, nada tem de parecido em Pulp Fiction. Lá, o filme acaba quando o matador vivido por John Travolta sai vivinho de um bar que acabara de ser assaltado, depois de já ter morrido num capítulo anterior, metralhado pelo personagem de Bruce Willis, que numa ponta espetacular sobre um boxer, quase rouba todo o filme.

Ao ver o título que meu amigo tentava me emprestar, fiz uma careta de mau gosto, pensando na tragédia que seria encarar aquele negócio no meu fim de semana.

-Já conseguiste assistir esta porcaria até o fim? – perguntei sem o mínimo de educação.

-Claro, tu não?

-Já tentei umas três vezes, mas nem bem chego nos primeiros 15 minutos, trato de virar o canal.

-Mas é um Quentin Tarantino.

-Prefiro um John Ford das pradarias.

Aí veio a proposta:

-Então te faço um desafio: assiste mais um pouco além dos 15 minutos, faz uma forcinha, o filme é genial.

Ah, pra que eu fui aceitar fazer isso, não desgrudei mais da minha tela até chegar no meio do filme. No meio? Pois é, eu explico: a película termina no meio da história, mercê de um roteiro que apenas tem aparência de maluco, mas que é de uma criatividade impressionante. Como diz no livreto da coleção da Editora Abril, que mal chegou às bancas eu corri pra comprar, Pulp Fiction, de 1994, é um frenético caldeirão pop. A obra fez a ressurreição de um John Travolta que praticamente estava esquecido desde Nos Tempos da Brilhantina, tem Uma Thurman, atriz preferida de Tarantino que protagonizou depois a série Kill Bill, o excelente Samuel Jackson, Harvey Keitel, num papel hilário, e outros, como Bruce Wills, que aceitou fazer uma ponta praticamente sem receber um centavo, a troco de uma participação nos lucros. Detalhe: o filme custou exatos oito milhões de dólares, bem baratinho para os padrões de Hollywood, mas ganhou o festival de Cannes, várias indicações para o Oscar e rendeu mais de 200 milhões de dólares. Tadinho do Bruce Willis.

E você, já leu Ezequiel 25-17? Tanto faz, assista Pulp Fiction e veja como Tarantino produziu um salto fantástico na história do cinema, uma verdadeira revolução na linguagem da sétima arte.

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