terça-feira, 16 de outubro de 2012


ENTREVISTA: MARIA CECÍLIA LOSCHIAVO RELACIONA DESIGN E SUSTENTABILIDADE

 

Professora conta como seus estudos contribuem para a questão dos resíduos sólidos


Maria Cecília Loschiavo (Foto: Studio 3X)
Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Maria Cecília Loschiavo une o design e a filosofia a favor da sustentabilidade. Defensora da “necessidade de mobilizar o design para as questões de gênero, desigualdade, precariedade, informalidade e pobreza urbana”, a pesquisadora concentra seus estudos nas relações entre o reuso dos materiais, os produtos e a inclusão social dos catadores de recicláveis.

Em entrevista ao Globo Universidade, Maria Cecília Loschiavo conta como suas áreas de atuação convergem para enfrentar os desafios que os resíduos sólidos e sua disposição trazem para a sociedade e para as futuras gerações.

Globo Universidade - Como sua formação em Filosofia está relacionada ao Design? Por que você decidiu se especializar nesta área?
Maria Cecília Loschiavo -
 A Filosofia é uma Ciência Humana caracterizada basicamente pela atitude interrogante diante do mundo. Nesse contexto passei a estudar aspectos da cultura material no âmbito da Estética, particularmente concentrei minha atenção sobre o design.
Em um mundo conturbado e ameaçado pelas mudanças climáticas, escassez de recursos e padrões insustentáveis de consumo é fundamental pensar o humanismo e suas relações com o design. A perspectiva humanista apresenta significativos desdobramentos no âmbito da educação, sobretudo no que diz respeito à formação dos valores.

Mais do que nunca há necessidade de integrar os princípios da educação humanista na formação do designer. Nesse sentido trata-se de definir qual o papel das disciplinas teórico-críticas. Essas disciplinas não são auxiliares, mas aumentam o grau de compreensão da realidade no qual o designer vai atuar e de sua própria atuação.

Não é exagero afirmar que, atualmente, há um processo de “macdonaldização” do ensino superior (todos os níveis): preço baixo, sacia a fome, mas o cardápio é restrito, o valor nutricional questionável e provoca obesidade.

Em nosso país, considerando os vários Brasis, ou como quer Aloísio Magalhães: das distâncias "entre a pedra lascada e o computador", existe a necessidade de mobilizar o design para as questões de gênero, a desigualdade, a precariedade, a informalidade, a pobreza urbana.

GU - Ao seu ver, de que forma o Design atua a favor da Sustentabilidade?
MCL –
 Eu me especializei na área de Estética e, dentro dela, no Design, em um momento em que não havia programas de pós-graduação na área do Design no Brasil. Graças aos mestres da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP pude realizar meus estudos pós-graduados na área do design.

O design para sustentabilidade é uma ferramenta que traz uma visão sistêmica e complexa em que, a partir do momento que conhecemos os problemas ambientais e suas causas, passamos a influir na concepção, escolha dos materiais, fabricação, uso, reuso, reciclagem e disposição final dos produtos industriais.
GU - De que maneira sua formação pode ajudar com as pesquisas sobre os problemas causados pelo acúmulo de lixo e descarte irregular?
MCL -
 As perspectivas filosóficas, sociológicas, antropológicas e arqueológicas são fundamentais no debate sobre resíduos. Apenas como exemplo vale lembrar que coube ao sociólogo Vance Packard, em seu clássico livro “The Waste Makers” (1960), apontar as consequências ambientais do consumo excessivo no meio urbano. Contemporaneamente, a obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman constitui-se em referência básica para a compressão da lógica das relações entre consumo, produção de resíduos e exclusão social das populações que sobrevivem do lixo. No âmbito da antropologia, não há como não citar a contribuição decisiva de Mary Douglas, em “Purity and Danger” (1966). Finalmente, o arqueólogo William Rathje é outro referencial consolidado, com o livro “Rubbish! an Archeology of Garbage”.

Considero também altamente relevante a relação entre resíduos e energia. A busca de economias baseadas na sustentabilidade transformou o resíduo e todas as tecnologias para seu tratamento em elemento crucial no processo de globalização. Assim, a possibilidade do aproveitamento energético coloca-se como uma das alternativas para o problema da disposição e valorização econômica do resíduo.

No passado, os resíduos eram percebidos como o ponto final das etapas de produção e consumo e, portanto, entendia-se que resíduos eram uma questão de disposição. Nos dias de hoje, o movimento dos resíduos e dos mercados globais que envolvem a disposição e a reutilização desses resíduos têm desafios extraordinários a enfrentar.

GU - Que aspectos você destacaria no trabalho dos catadores de recicláveis?
MCL –
 Os catadores prestam um serviço ambiental altamente importante no manejo do resíduo no meio urbano. Estão organizados com base num tipo de economia cooperativista, onde não há patrão nem empregados. Todos trabalham e todos participam das decisões.
Os catadores viram no resíduo uma possibilidade de recurso econômico, em um momento em que o capitalismo ainda não explorava esse nicho econômico. Esse setor não era considerado lucrativo, mas os catadores, por força da necessidade de sobreviver, se organizaram para explorar o descarte e os resíduos urbanos.
GU - De que forma a mídia pode chamar a atenção da população para os problemas causados pelo lixo?
MCL -
 Os resíduos sólidos deveriam ser vistos como um dos mais sérios problemas ambientais e de saúde pública da vida contemporânea, e as consequências de seu manejo e disposição inadequados se refletem tanto direta ou indiretamente na saúde da população quanto na sobrevivência dos ecossistemas. Esses custos ambientais e sociais decorrentes da produção, manejo e disposição inadequada de resíduos são significativos e crescentes. A Lei n. 12.305/2010 introduz no sistema legal brasileiro um esquema de responsabilidade compartilhada e considera resíduo como resultado não desejado da produção e consumo. Nesse contexto, o papel da mídia é muito expressivo para informar sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, para difundir informação e educação sobre resíduos para todos os segmentos da população brasileira.

GU - Que dica de livro ou filme você daria para os estudantes que querem se aprofundar nas questões sociais sobre sustentabilidade e lixo?
MCL -
 Faz muito tempo, a Fundação Roberto Marinho publicou o livro “E Triunfo!” um dos mais importantes livros de autoria de Aloísio Magalhães, que considero referência fundamental para o design. Este autor valorizou o design vernacular e a cultura material brasileira. Este ponto de vista nos propicia uma reconsideração sobre o design presente nas ruas, nas feiras e nos mercados. Os produtos do design vernacular são criações de muitas vozes e mãos, trata-se de um patrimônio da comunidade, cuja autoria reflete a cooperação e a integração. (Fonte: Globo Universidade)

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