Por Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá
Certa vez, num lugar deste mundo, nasceu um pássaro com duas
cabeças e um corpo só. A cabeça direita era sempre faminta, muito esperta em
encontrar comida e devorava tudo o que encontrava com uma velocidade
extraordinária. A cabeça esquerda era também faminta, na mesma proporção da
outra, mas era desajeitada nos movimentos e, na hora de comer, chegava
atrasada. Dificilmente sobrava alguma coisa para ela. Desse jeito, a cabeça
direita conseguia sempre satisfazer a sua fome; a esquerda, nunca, por isso
morria de inveja e cansou de ficar para trás, assim elaborou uma estratégia
assassina. Um dia falou à cabeça direita:
- Conheço, aqui por perto, um lugar onde existe uma grama muito
gostosa; não queria experimentar?
Na realidade, a cabeça esquerda tinha feito uma pesquisa
detalhada para ter certeza de que aquela grama era venenosa e mortal.
Assim a cabeça direita logo que viu as verdes plantinhas caiu sobre elas e,
como sempre, comeu rapidamente e à vontade. A cabeça esquerda não teve tempo de
ver as consequências da sua jogada, porque o único corpo morreu, poucos minutos
depois, junto com as duas inseparáveis cabeças.
Bem sabemos que as palavras e as atitudes de Jesus deixavam
incomodados muitos daqueles que não aceitavam ser questionados sobre a
própria religião e a maneira de vivê-la. Em lugar de fazerem um autojulgamento,
era muito mais fácil, para eles, acusar aquele pregador, que vinha de fora, de
ser “possuído por um espírito mau”, por Belzebu, “o príncipe dos demônios”.
Sendo assim, nada de bom podia vir de Jesus, tudo o que ele fazia e dizia era
obra do “diabo” e, por consequência, errado, “mau”. Jesus respondeu com a comparação
de um reino dividido. Inevitavelmente, divisões e disputas internas são causa
de fraqueza e de derrota. As palavras dele devolveram a acusação: onde estava o
“espírito mau”? Nos acusadores ou nos gestos dele, que libertavam e curavam as
pessoas? Se o que Jesus fazia era um bem, não podia ser obra do “príncipe dos
demônios”, somente podia ser obra de Deus, mas isso significava admitir e
reconhecer que o próprio Deus estava agindo nele! Então Jesus era “possuído”
pelo Espírito de Deus, não pelo demônio.
A nossa reflexão, porém, não pode parar por aqui. Se é verdade que toda cura,
que seja ou não extraordinária, é algo de bom e desejável – e, portanto,
devemos agradecer ao Senhor pela sua bondade quando as curas acontecem – não
podemos deixar de lembrar que Jesus não quis ser um simples curandeiro ou
milagreiro. Os gestos dele são sinais para nos apontar algo que está além e que
é mais precioso. Não devemos procurar o Senhor somente pelas curas físicas ou
psicológicas, para que ele preencha as nossas carências emocionais ou afetivas.
A grande doença da qual Jesus quer nos curar é o pecado, o mal que cega os
nossos olhos e o nosso coração. A busca individual do nosso bem-estar e do
nosso sucesso pessoal é a causa de tantos males, mesmo quando não queremos
admiti-lo, porque enxergamos somente o que nos interessa.
A oração que Jesus nos ensinou é sempre e toda no plural. O Pai
é “nosso”, não “meu”. O Reino é para todos nós. O pão de cada dia, também, é
“nosso”, porque todos precisamos nos alimentar. Por fim, o perdão ao irmão é o
fruto do perdão de Deus oferecido a todos. O demônio nos conduz a pensar no
“meu” de cada um. Assim nascem os conflitos e as disputas. Assim Caim matou
Abel. O Filho que o Pai enviou nos quer irmãos, porque todos somos amados
e podemos aprender a amar. A fé que Jesus praticou e ensinou foi a de amar a
Deus amando também o próximo. Com a sua vida doada nos curou da doença mortal
do não amor. Quem sabe amar o seu próximo ama o Pai, cumpre a sua vontade e
entra a fazer parte da nova “família” de Jesus.
Ela não tinha tempo nem para comer. A cabeça comilona não
deixava nada para a outra. Assim nasceu a inveja que levou as duas à morte. O
“milagre” da partilha teria salvado o corpo inteiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por emitir sua opinião.