quarta-feira, 20 de junho de 2012

A CERÂMICA DO MARUANUM (*)



A cerâmica do Maruanum, representadas por louças de barro é produzida através de uma das técnicas mais primitivas de confecção de louças já detectadas no Estado do Amapá. Existindo desde a escravidão de negros no Brasil, sobrevive em pleno século XX, em meio a era do cimento, do ferro, do aço, do alumínio, da industrialização e da informática. E genuinamente artesanal, não envolvendo nenhum equipamento de produção em série, nem ao menos um torno tradicional de oleiro, sendo toda fabricada a mão, com a força dos braços, a segurança dos pulsos e a agilidade dos dedos.
O trabalho da extração do barro é organizado em mutirão e cumprido com muita descontração. Raras são as vezes eu os homens participam deste trabalho.
De canoa, cerca de 90 m para alcançar o barreiro local onde é extraído o barro, começa  o trabalho.
Selecionado o local adequado para cavar o buraco, retira-se o capim num círculo de mais ou menos 2 m de diâmetro. A veia do barro, como é chamada pelas louceiras, é bem profunda, e para alcançá-la é preciso primeiro remover a camada fértil, a camada arenosa e, só depois encontrada a argila própria para as louças.
O barro extraído é pré-amassado pelas louceiras que estão fora do buraco, colocando-o sobre as folhas de sororoca colhidas na mata e dispostas em forma de cruz, cujo caule serve para fechar a bola de barro já prontas para serem levadas à canoa. Enquanto umas cavam com cavador de pau e colocam a argila para fora, outras retiram a água que brota dos olhos d'água.
Quando concluída a extração, cada uma das louceiras faz um objeto (cinzeiro, prato, tigela, cachimbo etc), colocando-o no fundo do buraco, oferecendo-o a Mãe do Barro ou Vozinha. Em seguida tapam o buraco com terra não aproveitada para a louça, evitando quedas e afogamentos dos gados durante as cheias.
Feita a partilha, as bolas são levadas na cabeça até a canoa, e daí à residência das louceiras que passam a trabalhar individualmente. Cada extração de barro rende cerca de 50 bolas, com peso variado de 07 a 12 quilos. O barro é armazenado em área coberta fora das casas ou em locais disponíveis na cozinha, conservando a embalagem do transporte, de onde será removida na hora do beneficiamento para a mistura do caripé.
 Após a limpeza do barro e a sova da massa o barro é misturado com o caripé, elemento imprescindível para dar ao produto final a característica de refratabilidade. Depois de obtida a uniformidade da massa, são preparados os rolinhos (denominados charutinhos) que darão corpo a peça, que por sua vez é armada em cima de uma tábua, onde permanecerá até a secagem. Com o auxílio de uma cuia com água e um “cuiapel” (pedaço curvo da cuia que “solda” os charutos entre si e elimina o ar da massa que se, presente na mesma, se quebrará durante a queima), é dada a forma final da peça, cujos detalhes arredondados são facilitados com o uso do “urupel” (cogumelo que dá nas árvores, conhecido como “orelha de porco”). Armada a peça, são colocados seus complementos como: aba, bico, alça, etc., sendo que as tampas e demais acessórios são produzido separadamente. A iconografia utilizada é bastante original e primitiva, podendo ser considerada ímpar, pois não são usadas incisões, gravações ou traços geométricos. É utilizado um processo rústico marcando a borda das peças com as unhas ou penas de aves cortadas ou ainda talos de capim que contenham orifícios internos, que ao entrarem em contato com a massa ainda maleável produzem desenhos praticamente uniformes.
O ponto de secagem é o mais importante para a qualidade do brunimento e o sucesso da queima da peça, a fim de que ela adquira o brilho necessário para o acabamento externo e não espoque durante a queima.
O brunimento consiste no polimento da peça úmida com auxílio de esponja e acabamento final sendo dado com seixos redondos, cuidadosamente esfregados ao redor da peça, dando-lhes brilho e maciez próprios da técnica. A queima das louças é extremamente empírico, procedidos em fogueiras acessas ao ar livre, obedecendo as fases: esquentamento da peça, resinagem e resfriamento. O esquente é necessário para que haja dilatação da peça de forma gradativa e evitar que se quebre por ela receber calor exagerado. Quando o fogo diminui e a peça está quente, é acrescentado lenha na quantidade considerada suficiente para o número e o tamanho das peças que estão queimando. Com a peça ainda quente, uma vara preparada antecipadamente com a resina de jutaissica amarrada em sua ponta é testada a temperatura ideal para a resinagem, sem que o calor excessivo “emprete” a reina e assim a peça é revestida interiormente, tornando-a com brilho transparente. Externamente, durante a queima as peças adquirem um aspecto envelhecido provocado pela fumaça do esquente, propiciando-lhe uma beleza diferente e muito original. A resinagem serve para embelezar a peça e não “encharca” quando cheia d’água ou levada ao fogo.
Quando as panelas, terrinas e alguidares são usados pela primeira vez, é preciso escaldá-los a fim de eliminar o excesso da resina que pode transferir gosto indesejável ao alimento em preparação (Este é o único cuidado necessário).
Peças fabricadas: fogão para carvão, fogareiro, panelas, terrinas, potes, barricões etc.

TABUS E CRENÇAS 
  1. “Mulher grávida ou menstruada não vai ao barreiro porque o bicho da terra traz doença para a barriga dela”
  2. “Cavar buraco, só com cavador de pau. O de ferro acaba com a liga do barro”.
  3. “O homem não vai ao barreiro, porque a “Mãe do Barro” faz a veia do barreiro desaparecer”.
  4. “Não se pode tapar o barreiro antes de colocar dentro dele as oferendas para a Mãe do Barro, agradecendo e pedindo para sempre mostrar a veia do barro”.
  5. “Olha, Mãe do Barro, este (diz o nome do objeto, por exemplo: cachimbo) é para a senhora pitar quando estiver descansado. E obrigada pela ajuda de hoje”.
  6. “Só queima a louça na lua minguante para não quebrar”.
  7. “Fazer uma cruz no fundo da louça antes do esquente para não dar azar e queimar bem”.


(*) O presente texto foi encontrado em um prospecto. S.d. e s. a.

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