segunda-feira, 10 de setembro de 2012

VIRADA PAULISTA


Conto de Ademar Amaral
                                                                                                    
                    Existem dois tipos de maridos normais: o primeiro é o que trai a mulher sem ela saber; o segundo, é aquele que não trai, é fidelíssimo, conhecido entre os amigos como camisolão ou barriga branca. Neste caso, e pra salvação dele, a mulher também nada sabe. Meu amigo, Anfilóquio, é adepto da maioria dos maridos, ou seja, joga no time dos que traem sem a digníssima saber. Segundo ele, não há casamento que resista a uma certeza.
                   Hoje, quase cinquentão, além da habilidade de ser infiel sem que a esposa jamais desconfie, Anfilóquio acrescentou detalhes para reforçar essa imagem e eliminar qualquer suspeita da parte dela. Vejam: sete da noite, no máximo oito, ele chega em casa. Põe no copo um doze anos "on the rocks", fuma o tradicional cigarro e em seguida entra no chuveiro para um banho pra lá de caprichado. Depois, trajando um novo pijama listrado que mais parece farda de presidiário, suga, fazendo barulho, um belo prato de sopa. Como se isso não bastasse, e aperfeiçoando sempre, Anfilóquio tornou-se, de dois anos pra cá, o membro mais assíduo, dedicado e o escambau a quatro, do movimento católico, Encontro de Casais Com Cristo, que ele freqüenta numa igreja a alguns poucos quarteirões da Praça da Republica. Enquanto todos os maridos participantes desses encontros tornam-se abobalhados, submissos e sem voz ativa, o Anfilóquio apenas finge.
                   Dia desses eu o encontrei apressadíssimo no antigo Largo da Pólvora e ele, nem bem me cumprimentou, foi logo dando o serviço.
                   -Meu chapa, o que tem de mulher trepando nesta terra não tá no gibi.
                   -Mas, Anfilóquio, eu pensava que tu tinhas deixado a sacanagem desde o tempo da "virada paulista"...
                   Ouvindo essa referência, ele ficou meio sem graça mas não perdeu a pose.
                   -Bem, cara, eu continuo na mesma só que em horário diferente.
                   Pega no meu braço e segreda.
                   -Duas da tarde, hora do executivo, os motéis estão assim, ó... - e unia os dedos.
                   Com ar de preocupado, observa o relógio.
                   -E tem mais, cara, se não fizer reserva, tem vez que não encontra vaga.
                   Dá uma geral no ambiente para ter certeza que ninguém nos ouve.
                   -O melhor do horário é que a gente ainda encara firme um "papai e mamãe" com a patroa.
                   Nesse ponto da nossa conversa, veio novamente à minha cabeça, o episódio que o Anfilóquio viveu nos idos de 1972, em São Paulo, e que seus inúmeros amigos, em tom de gozação, apelidaram de "virada paulista".
                   Foi assim:
                   Anfilóquio tinha ido à capital paulista, participar pela primeira vez de um seminário. Saído da faculdade, bonachão e extrovertido, foi logo fazendo amizade com outro participante do Rio de Janeiro. Durante o coquetel de abertura(e todo seminário que se preza sempre tem um), tratou mais que depressa de cuidar do resto da noite que, naquela altura, ainda era, como se diz,  uma criança. Indaga pro colega:
                   -Onde se faz uma sacanagem especial na porra desta cidade?
                   -Ahn, o que?
                   -Sacanagem, uma sacanagem especial.
                   -Depende, bem... mas que tipo de sacanagem?
                   Anfilóquio apanha um copo do melhor whisky, arrasta o novo amigo prum canto da festa e vai direto no assunto:
                   -Olha, sou meio pro tarado numa morena.
                   O outro não entende.
                   -Que há de tão especial nisso? Ouvi falar que em Belém tem cada morena...
                   -Cara, não me fala de paraense. Eu ando até aqui de mulher paraense- e dizendo isso espalmou a mão no gogó.
                   Por fim, esclarece de vez:
                   -Bom, sabe, meu chapa, é o seguinte: sou tarado numa bunda de morena, entende?
                   -Hum...
                   O carioca pede licença, vai até o lado oposto, conversa com alguém e volta trazendo boas notícias. Informa que numa certa esquina da rua Major Sertório, ele encontraria o produto que tanto desejava.
                   -Fica na esquina que elas passam de carro, a dica é daquele nosso amigo paulista, aquele ali- e aponta pro sujeito com quem ele tinha conversado.
                   Pra resumir, horas mais tarde estava meu amigo Anfilóquio de prontidão na tal esquina. Realmente, a abordagem não demorou a acontecer. Cada morenaço que parava o carro, ele ia, papeava, explicava friamente o que pretendia. Algumas recusavam logo:
                   -Não, aqui, se quiser, é só xoxota.
                   -Xoxota eu tenho em casa, e das boas- ele dizia pra não perder viagem.
                   E depois de levar um monte de nãos, Anfilóquio acabou se entendendo com uma mulatona traseiruda de fechar comércio. Acerta preço, entra no Sinca incrementado e vai sendo levado por ruas nunca dantes navegadas, parando num edifício lá mesmo do centro. Deu, porém, duas mancadas imperdoáveis: a primeira foi dizer que era de Belém, pensando que estava abafando. A outra, muito pior, foi tentar conduzir o programa na base do romantismo, imaginando que putas de São Paulo eram iguais as do antigo Pagode Chinês, onde ele fazia, acontecia e  despertava paixões. Dançou carimbó feio.
                   Inicialmente, até que a coisa não foi tão complicada. Mal entra no apartamento, o Anfilóquio janta o rabo da morena sem a menor cerimônia e conforme haviam combinado. Serviço concluído, e aproveitando a ida dela ao banheiro, ele, discretamente, deposita dois mil cruzeiros sob um luxuoso porta-jóias de prata, achando que ficaria chato pra moça a exibição do dinheiro. Ela vem, apanha a grana e entorta o beiço:
                   -Só isso?!
                   -Mas bem...
                   -Bem um caralho, passa mais mil !
                   Anfilóquio vai ficando nervoso.
                   -Mas... benzinho, o acertado foi dois mil. Foi ou num foi?
                   -Foi, mas dois mil é michê de xoxota, tem mais mil da taxa de rabo.
                   -Ei, pera aí, taxa de rabo é a puta que pariu.
                   Sem contar conversa, Anfilóquio pula da cama abotoando a roupa e sai na marra pelo corredor do edifício em busca do elevador. Atrás dele, a dona enrolada numa toalha.
                   -Paraense colhudo! Volta, seu bezouro!
                   O elevador que era bom, necas.
                   Pra completar a desdita do Anfilóquio, vem também apanhar o mesmo elevador um casal desses tipo paulista quatrocentão. O senhor, um careca de farto bigode, já a coroa, disfarçando idade avançada, havia tingido o cabelo de azul-anil, mais parecendo peruca de algodão doce. O casal chega perto e a puta descasca:
                    -Vejam vocês, esse fresco paraense acaba de comer minha bunda e não quer pagar a taxa de cu!
                   A mulher benzeu-se. O meu amigo sentindo-se o último dos homens, quando, finalmente, aponta o bendito elevador. No que ele entra com o casal, a gritaria recomeça:
                   -Bezoouuro! Paraense bezoouuro!
                   Ele tentou ensaiar uma desculpa para o casal.
                   -Cala a boca, seu peste tarado!- reagiu a senhora de cabelo azul.
             Tão logo viu-se livre, Anfilóquio saiu em disparada pela garoa da madrugada paulistana, mas os minutos de eternidade que ele passou com a cabeça enterrada na parede do elevador e ouvindo os gritos histéricos da mulher, ainda agora, não são momentos bons de lembrar.
                   Desperto dessas lembranças na hora que o Anfilóquio dá outra olhada apressada no Rolex.
                   -Ih, meu irmão, tenho reunião do encontro de casais e já estou atrasado.
                   Dito isso, pisca cinicamente e se manda no rumo da igreja.

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