segunda-feira, 3 de setembro de 2012

AGRICULTURA FAMILIAR


O PÁSSARO MADRUGADOR NÃO ACORDOU PARA CANTAR (*)

Fernando Canto.

    1.       INTRODUÇÃO
De acordo com Kitamura (1994), a década de 70 foi marcada por vários fatos que influenciaram na revisão do conceito de desenvolvimento econômico. Nesse período cresceram as preocupações sobre os seus indesejáveis efeitos, mormente no que se referia à qualidade do meio ambiente.
Os países industrializados aumentam suas demandas de matéria-prima aos em desenvolvimento. Estes, por sua vez, experimentavam a exploração populacional e todos os problemas impostos pelo capital. Ao meio nasciam crises, muitas das quais envoltas em visões pessimistas e até alarmistas sobre o futuro do planeta. Cientistas neomalthusianos alertavam para o perigo de uma superpopulação mundial faminta e a incapacidade de se produzir tanto alimento. Organismos internacionais deslancharam uma série de eventos e conferências pregando a contenção do crescimento econômico ilimitado, bem como alertando para o esgotamento dos recursos naturais não renováveis, e os danos irreversíveis que se poderiam causar ao meio ambiente.
O Brasil, já que vinha experimentando o modelo convencional do desenvolvimento econômico sem limites, não se preocupou em conter o avanço da exploração e da destruição da natureza. E suas políticas públicas para o setor primário buscavam apenas o lucro, sem se preocupar com o rastro de fogo que por mais de duas décadas ficou aceso e vagando pelos quadrantes do território nacional. E principalmente na Amazônia, onde os mega-projetos de desenvolvimento nela instalados também deixaram esperança e depois as marcas da desolação.
Nesse contexto se marcou a história da agricultura no nosso país. 

2.      A AGRICULTURA FAMILIAR É EXPLORADA
Por ser determinada pelos ciclos naturais e regulada pelas leis do mercado capitalista, atividade agrícola familiar nem sempre mantém um padrão produtivo que possa garantir sua sobrevivência. Tal condição se dá por inúmeras causas, entre as quais à ligadas “ao próprio desenvolvimento urbano-rural” (Índio Campos: 1994).
Essa dependência não é exclusiva da agricultura familiar, posto que não é só no campo que as forças exploradoras do capital estão presentes.
O conceito de agricultura familiar ainda hoje se relaciona (ou se confunde) com o conceito de “pequena produção rural”, desenvolvida pelo pequeno produtor: aquele que está presente na vastidão territorial do país e que possui ou ocupa pouca terra, de qualidade inferior, localizada nas condições mais difíceis. Tem renda baixa, utiliza mão-de-obra familiar, a cooperação com vizinhos em mutirão, visando a subsistência de sua família. Tem sistema de trocas – monetarizadas ou não – limitadas com os mercados locais com vista à provisão de bens de consumo e com a reposição de seus meios de produção (Weid: 1982).
A agricultura familiar combina sempre uma grande variedade de culturas – intercaladas, sucessivas, permanentes e temporárias – com uma pequena criação de animais, e emprega quase sempre trabalho braçal. É considerada conservadora ou tradicional quanto à técnica de cultivo porque repete o saber acumulado por várias gerações, usando aquilo que se indica como mais apropriado na sua lógica de sobrevivência. Ela não resiste às inovações tecnológicas só por ser contra a “modernização”. Os riscos inerentes à novas atividades são grandes, principalmente o medo de endividamento. Mesmo assim, sempre o pequeno produtor é induzido ou constrangido a integrar-se no sistema da agricultura “industrial”, que através de cooperativas ou a sistemas de contratos com as agroindústrias ou rede de comercialização mais especializada.
Nessa situação ele tem acesso a créditos, insumos, assistência técnica, e é levado a linha de monocultura de soja, cana, ou à criação de porcos, galinhas, etc., que o deixam endividado, dependente das estruturas que o enquadram assumindo os riscos da produção, enquanto outros (cadeias agro-industriais) se apropriam do fruto do seu trabalho. (Idem: 1982). Essas situações ocorrem principalmente nas regiões sul e sudeste.
Na realidade o pequeno agricultor sempre foi e é uma categoria explorada e submetida constantemente às pressões de ordem econômica e política. Frequentemente ele perde sua condição de pequeno produtor e em consequência perde sua terra, migra e se proletariza em centros urbanos.
Apesar disso a agricultura familiar representa um grande contingente de trabalho, cuja produção, por sua vez, abastece a cidade, embora lute com dificuldades para sobreviver, em face de tantas mudanças econômicas.
Nos países ricos a agricultura familiar floresceu em função da opção política e do planejamento, ou seja, foi suprida pela ação do Estado, enquanto órgão gestor da política agrícola. Neles, as inovações tecnológicas, desde a década de 30, muito ajudaram no desenvolvimento da agricultura familiar, porque na agricultura como em qualquer outro ramo da economia, só se pode ter maior lucro quando se inova ou baixam os custos. Lá nesses países o pássaro madrugador (early-bird) canta sempre.
Embora a política agrícola brasileira tenha experimentado ao longo do tempo sucessivas estratégias para o desenvolvimento do setor, objetivando a abundância de alimentos a preços baixos, a política econômica dificultou sempre a consecução desses objetivos.
Mesmo não se caracterizando como essencialmente capitalista a agricultura familiar tem baixa remuneração, ou seja, não é lucrativa, apesar de ser produtiva e de ter como vantagem em algumas regiões brasileiras o aumento e a valorização do preço da terra. Diz-se que daí originou o ditado “o agricultor vive pobre e morre rico”. Mas quando gera excedente capaz de suprir o mercado interno, ela traz em seu bojo um ponto extremamente positivo para o país, que é o surgimento de novos assalariados urbanos. Mesmo assim dificilmente ela se livra da permanente e inelutável figura do intermediador, ou atravessador. 

3.      AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A proposta do desenvolvimento sustentável na agricultura não se reduz simplesmente à utilização da terra de forma infinita, sem deteriorar o solo ou a combiná-la com a produtividade do agora com a sustentabilidade no tempo. Ela (a proposta) discute, na realidade o compromisso político intergerações visando o aproveitamento técnico do solo a longo prazo, mantendo os sistemas ecológicos  do entorno da área agriculturável. Ela incorpora os processos naturais no processo produtivo, pois na natureza há fatores que ajudam na produção.
Desta forma a agricultura sustentável se coaduna com a agricultura familiar porque os planos da sustentabilidade comprovam sua eficácia quanto à capacidade de manter o uso do solo ao longo do prazo; a capacidade do agricultor substituir certas áreas (pousio) com níveis de diversidades; a interação da agricultura com a floresta, além de outros fatores ecológicos e econômicos.
As técnicas empregadas na sustentabilidade agrícola familiar são fundamentais para a sua sobrevivência: evitar grandes criações de animais, diversificação de atividades (com sinergia), manejo integrado de pragas, controle biológico e rotação de culturas, entre outros. 

4.      CONCLUSÃO
Apesar das técnicas novas, inclusive as utilizadas na Agricultura de Insumos Reduzidos, a agricultura familiar sustentável encontra muitos obstáculos que vão desde a falta de pesquisa regionalizada à ausência da educação, sob a responsabilidade do poder público, como a introdução do chamado Desenvolvimento Participativo de Tecnologias – DPT.
No Brasil, sobretudo na Amazônia, a ausência de políticas públicas e a consequente falta de estratégias, muito têm contribuído para que a produção agrícola familiar não seja mais rentável, até porque o papel do Estado é também de criar essas estratégias de desenvolvimento a partir da decisão política, como a de transformar a agricultura tradicional em agricultura sustentável.
Necessário se faz elaborar estratégias de desenvolvimento regional capazes de melhorar a qualidade de vida do pequeno agricultor através de programas que viabilizem aparelhar agentes, criarem sistemas de escoamento e armazenamento de produtos, comercialização e política de preços, reforma agrária, crédito e organização dos produtores.
Essas estratégias poderiam tornar cada vez mais os agricultores cidadãos dignos, desde que fossem implementadas com seriedade e competência pelo poder público. A Amazônia, por exemplo, dada a pobreza do seu solo, sua vocação não é efetivamente a monocultura.
Propor mudanças, mesmo dolorosas, como as inerentes a modernização, e a pesquisa para o desenvolvimento sustentável, e propor como estratégia (ou como esperança) a possibilidade da sinfonia do pássaro madrugador (early-bird), pioneiro nas inovações tecnológicas, que infelizmente ainda não acordou para cantar na Amazônia por absoluta falta de políticas, públicas eficientes.
Este, portanto é um dos grandes desafios para a agricultura familiar sustentável: Acordar para cantar. Pesquisar para produzir... e prover.

(*) Trabalho apresentado no curso de Especialização em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental. 1999/2000 – CEFORH/GEA-NAEA/UFPA)

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