sábado, 15 de setembro de 2012

O TEMPO DAS PARADAS ESCOLARES (*)

Eu, aluno da 3ª série do GM, aos 14 anos.
(Foto colorizada por Cláudio Rogério)

Crônica de Fernando Canto

O rufar dos tambores da escola vizinha a minha casa troa mais forte que a chuva de verão que acabou de cair. É um barulho salutar, bem compassado e ritmado que tem o objetivo de marcar o passo dos alunos desfilantes do dia sete de setembro, dia da Pátria. A banda ensaia no entorno da escola, mas é uma banda de fanfarra, onde não faltam notas desafinadas de clarins e seus sons amorfos e jovens balizas ensaiando, em busca da perfeita harmonia que por certo terão no dia do desfile, no Sambódromo...

Quando a época de comemoração da nossa Independência se aproxima eu sempre pergunto aos amigos da mesma faixa etária se sentem saudade dos desfiles a que éramos obrigados a participar. Eles não só dizem que sim como acreditavam que era um tempo de disciplina, que os ajudou a tomarem “tento” na vida. Depois me confessam que foi só por um momento, quando ainda estavam no ginásio. Mais tarde, porém, já no colegial, é que foram perceber o quanto viveram isolados e alienados da realidade do país. Não só eles, como os educadores, diretores e principalmente os pais. Quase todos eram filhos de funcionários públicos, que vivam sob a dependência dos governantes militares que vinham para o Amapá como poderosos vice-reis.

Os estabelecimentos escolares tinham praticamente duas semanas de preparativos e ensaios para os desfiles. E eram categorizados: as escolas e grupos primários desfilavam no dia 5 de setembro, o Dia da Raça, que creio nem mais se comemorar no Brasil; os ginásios e colégios faziam seus desfiles no dia sete, precedidos pelos militares e, no dia 13 de setembro, dia da Criação do Território do Amapá, era realizada a grande parada escolar, com desfile de carros alegóricos temáticos e ricamente enfeitados. As bandas da Guarda Territorial ou do Exército acompanhavam os desfiles dos colégios que não possuíam bandas de música. Mas só o Ginásio de Macapá atravessava a passarela da Avenida FAB com o garbo peculiar que lhe dera fama e um público fiel que o aplaudia do começo ao fim. Seus pelotões e carros alegóricos criativos enfrentavam o sol e o vento de setembro sob a batuta do Mestre Oscar Santos. E nós alunos vivíamos sob a marca de um tempo que não imaginávamos sua dimensão histórica para o resto do Brasil e do mundo.

Apenas mais tarde, já em outros desfiles, mas ainda sob a égide da ditadura militar, é que começamos a recusar a obrigatoriedade, do papel servil que nos impunham por tabela os ditadores, lá do planalto central. 

Os desfiles eram obrigatórios, sim. Quem não respondesse a chamada na área de concentração podia ser suspenso se não justificasse a ausência depois. Os professores de educação física, responsáveis pelos desfiles eram que faziam a fiscalização. Um grande amigo meu, hoje radialista famoso na cidade, me contou que por ter errado o passo numa situação dessas ficou três dias suspenso. Só não foi expulso depois do quiproquó que fez graças à intervenção firme do seu pai, um açougueiro muito respeitado. Mesmo assim ficou marcado como “um meninão que não amava a Mãe Pátria”.

Os colégios costumavam representar os estabelecimentos militares em função dos seus diretores e professores que acompanhavam cegamente os ditames dos ditadores e governadores da época. Ninguém podia “ser do contra”, sob pena de sofrer as sanções impostas pelos regulamentos especialmente preparados para os alunos considerados “rebeldes”.

Ainda bem, tudo passou. A saudade dos desfiles continua na cabeça de muita gente, assim como a ditadura também está presente na mente de muitos governantes que creem que só pela força podem continuar mandando. Ainda bem, a vida segue seu curso sem precisar que o vento negro da morte e da tortura caminhe novamente sob a paz do nosso país. Viva a Independência e nossa melhor memória.

(*)Publicado no Jornal do dia. 07.09.2007

Fotos de antigos desfiles na Avenida Fab.

João Lamarão, desfilando pelo CA.





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