segunda-feira, 17 de setembro de 2012

POEMAS DE BERTOLT BRECHT


(Do livro “Brecht Poemas – 1913-1956”, seleção e tradução de Paulo César Sousa, Brasiliense, 1987). Brecht é mais conhecido no Brasil como um dos maiores dramaturgos contemporâneos, mas também foi um grande poeta.

SALMOS
CANTO DA MULHER
1.      À noite, à beira do rio, no escuro coração dos arbustos vejo às vezes seu rosto novamente, o da mulher que amei: minha mulher, que agora está morta.
2.      Faz muitos anos, e por vezes nada mais sei dela, que era tudo, mas tudo passa.
3.      E ela era em mim como um pequeno zimbro nas estepes mongólicas, côncava com céu amarelo claro e grande tristeza.
4.      Vivíamos numa cabana negra à beira rio. Os mosquitos com frequência picavam seu corpo branco, e eu lia o jornal sete vezes, ou dizia: teu cabelo tem cor de sujo. Ou: não tens coração.
5.      Mas um dia, quando eu lavava minha camisa na cabana, ela chegou à porta e me viu e quis ir.
6.      E o que bateu nela até cansar disse: meu anjo –
7.      E o que havia dito: te amo – conduziu-a para fora e olhou sorridente para o céu e elogiou o tempo e apertou a mão.
8.      Já que ela estava fora, e a cabana ficou deserta. ele fechou a porta e sentou-se a ler o jornal.
9.      Desde então não a vi mais, e dela ficou unicamente o pequeno grito que soltou, ao voltar à porta de manhã, pois já estava fechada.
10.  Agora a cabana está apodrecida e o peito entupido de papel de jornal, e ànoitedeito-me à margem do rio, no escuro coração dos arbustos, e me recordo. 
11.  O vento tem cheiro de grama no cabelo, e a água grita sem cessar a Deus, pedindo paz, e eu na língua tenho um gosto amargo.

BALADA DA GOTA D’ÁGUA NO OCEANO
1
O verão chega, e o céu do verão
Ilumina também vocês.
Morna é a água, e na água morna
Também vocês se banham.
Nos prados verdes vocês
Armaram suas barracas. As ruas
Ouvem os seus cantos. A floresta
Acolhe vocês. Logo
            É o fim da miséria? Há alguma melhora?
            Tudo dá certo? Chegou então sua hora?
            O mundo segue seu plano? Não:
            É só uma gota no oceano.

2

A floresta acolheu os rejeitados. O céu bonito
Brilha sobre desesperançados. As barracas de verão
Abrigam gente sem teto. A gente que se banha na
            Água morna
Não comeu. A gente
Que andava na estrada apenas continuou
Sua incessante busca de trabalho.
Não é o fim da miséria. Não há melhora.
Nada vai certo. Não chegou sua hora.
O mundo não segue seu plano:
É só uma gota no oceano.

3

Vocês se contentarão com o céu luminoso?
Não mais sairão da água morna?
Ficarão retidos na floresta?
Estarão sendo iludidos? Sendo consolados?
O mundo espera por suas exigências.
Precisa de seu descontentamento, suas sugestões.
O mundo olha para vocês com um resto de esperança.
É tempo de não mais se contentarem
Com essas gotas no oceano.


PARÁBOLA DE BUDA SOBRE A CASA INCENDIADA

Gautama, o Buda, ensinou
A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e
aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou
Nirvana
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos
porém
Se esse Nada, no qual então penetraremos
É talvez como um ser-um com tudo criado
Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, sem preguiça deitado na água,
caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas á noite quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou o Buda
aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e
gritei-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-as a assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar,até parar de fazer perguntas.
Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar,
a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de
suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e
apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens
ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos
que àqueles que
À vista dos iminentes esquadrões de bombardeios do
Capital gastam tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de
domingo após uma reviravolta
Nada temos a dizer.

POEMAS SOBRE O TEATRO

REPRESENTAÇÃO DO PASSADO E PRESENTE EM UM

Aquilo que vocês representam, procurem representá-lo
Como se acontecesse agora. Encantada
A multidão está no escuro, em silêncio, transportada
De seu cotidiano. Agora
Trazem à mulher do pescador o filho, que
Os generais mataram. O que antes aconteceu
Neste local se dissipou. O que aqui acontece,
Acontece agora, e somente uma vez. A atuar assim
Vocês estão habituados, eu lhes aconselho agora
A juntar um outro hábito a este. Em sua atuação exprimir
também
Que esse instante é repetido
Com frequência em seu palco, que ainda ontem
Foi encenado, e assim também amanhã
Bastando que haja espectadores, haverá representação.
Do mesmo modo, não devem fazer esquecer
Através do Agora, o Antes e o Depois
Nem tudo aquilo que agora mesmo acontece
Fora do teatro, que é da mesma espécie
Tampouco o que nada tem a ver
Devem deixar inteiramente esquecer. Devem apenas
Destacar o instante, e nisso não esconder
Aquilo do qual o destacam. Dêem à atuação aquela
Característica de uma-coisa-após-a-outra, aquela atitude
De trabalhar o que se propuserem. Assim
Mostrar o fluir dos acontecimentos e o decorrer
De seu trabalho, e permitem ao espectador
Vivenciar esse Agora de muitas maneiras, como vindo
do Antes e se
Estendendo no Depois e tendo agora
Outras coisas mais ao lado. Ele não está apenas
Em seu teatro, mas também
No mundo.


PERCEPÇÃO

Quando retornei
Meu cabelo ainda não era grisalho
E fiquei contente.

Os trabalhos das montanhas deixamos para trás.
Diante de nós estão os trabalhos das planícies.


NO NASCIMENTO DE UM FILHO

(Segundo poema chinês de
SuTung-po, 1036-1101)

Famílias, quando lhes nascer um filho
Façam votos de que seja inteligente.
Eu, que pela inteligência
Arruinei minha vida
Posso apenas desejar
Que meu filho se releve
Parvo e tacanho.
Assim terá uma vida tranquila.
Como ministro do governo.

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