sábado, 15 de setembro de 2012

QUEM MORRE VAI PRA CAIENA (*)


Crônica de Fernando Canto

                Dizem que depois que alguém “leva o farelo”, “bate as botas” ou “foi para a cidade dos pés-juntos” só tem um destino: Caiena.
                Apesar de ter indagado várias pessoas sobre essa afirmação (que muita gente leva a sério), ninguém, ninguém mesmo soube me dizer o porquê. Nem o Paulinho Piloto que já foi lá tantas vezes ousou sequer inventar uma resposta.
                Há, entretanto, uma versão um pouco aceitável, que é a de quem vai para lá nunca volta. É antiga: nossos emigrantes se mandavam para trabalhar na construção civil da base espacial de Kourou, se davam bem por lá e nunca mais retornavam. Uns ficavam e faziam suas carreiras como trabalhadores esforçados, e com o compromisso de apenas mandarem umas valiosas notas de franco para a família (na época não existia a união europeia e nem o euro). Outros, por não gostarem muito do pesado, acabavam ficando nas mãos dos gendarmes e consequentemente amargando uma pena nas prisões má afamadas do lugar, tipo Ilha do Diabo (que diga o seu Plancantã, pai do Waldir do Calçadão).
                A maioria dos brasileiros que vai para lá vai se arriscando. São inúmeros os relatos dos que se aventuraram como clandestinos e acabaram ficando pelo meio do caminho. Perto de casa, quando criança, ouvia notícias de vizinhos que morreram afogados nas travessias do rio Oiapoque, em naufrágios de pequenas e frágeis embarcações. Todos eles eram muito pobres e tinham essa ideia fixa de ter um bom emprego e voltar com uma pequena fortuna para se restabelecer em Macapá. Lembro que uma dessas pessoas foi a Maria Lúcia, irmã da saudosa Maria Piçarra. A notícia de sua morte deixou consternados os moradores do Morro do Sapo, no Laguinho, mesmo assim, isso não inibiu o desejo de outros se aventurarem na mesma rota.
                O engraçado é que Caiena é uma cidade aparentemente bonita, não tem problemas graves de trânsito e seu centro histórico é agradável aos olhos dos turistas, como a Place des Palmistes, o mercado de frutas, a área comercial, o porto e os prédios administrativos. Nada ali indica que é um inferno, ainda que como qualquer cidade cosmopolita tenha lá seus problemas sociais.
                Mas se Caiena é a estação final de quem morre em Macapá, por que os caienenses não acham que quem morre lá vem para cá? Talvez o inferno daqui seja mais certo. Ninguém quer padecer depois da vida no Brasil, muito menos aqui em Macapá. Então parece ser mais cômodo “dar um jeitinho” brasileiro para ser condômino do paraíso de Caiena (com possibilidade de ser eleito síndico, comprando voto ou não) do que ficar com a alma vagando aqui, mesmo que o corpo esteja enterrado lá no “Barcelão”.
                A expressão ”foi pra Caiena” ou “viajou pra Caiena”, é uma metonímia e um eufemismo, que serve para suavizar a rudeza da morte indesejável dos amigos e conhecidos. Mas como não tem jeito para ela nós vamos inventando maneiras de driblá-la, e esta certamente é uma delas, afinal a morte representa o fim absoluto de qualquer coisa que existe de positivo, e simboliza tudo o que é perecível e destrutível da existência.
                Mas se “ir pra Caiena” é morrer, é bom também lembrar que a morte significa libertar-se das preocupações e penas e que ela abre o acesso ao reino do espírito. Dizem que a morte suscita a necessidade de ir mais longe, pois ela é a condição para o progresso e para a vida.
                Certa vez, lá em Caiena, participando de um desses festivais culturais, o Bomba D’água reconheceu um gari que varria a praça do centro da cidade. Era o Maiambuco, um amapaense que tinha saído de Macapá para a Guiana Francesa há mais de trinta anos e que ninguém mais sabia dele. Bomba D’água, também conhecido por Joaquim, chamou o Pavão, apontou com o dedo e disse: - Olha o Maiambuco lá! O Pavão ficou tremendo e meio amarelo de medo, quase não acreditando, mas exclamou: - É mesmo, Bomba. É por isso que dizem que quem morre vem pra Caiena. Égua, vamo embora daqui.

(*) Publicado no Jornal do Dia. 2007.

Um comentário:

  1. Nós brasileiros, principalmente, dessa região integrada por sete estados federativos (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), e da vizinha composta por outros nove ( Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), tidos pela Corte como simplórias pétalas da Rosa dos Ventos ,ou seja, N e NE - cardeais e colaterais, respectivamente. Somos tratados pelos demais irmãos como " irmãos adulterinos" , sem pendores intelectuais nenhum. E propagam em outras partes da realeza a "sina" que nos atribuem. As informações das grandes corporações midiáticas robustece a Nação com tal estigma. Mas, desconhecem nosso saber do "Além Tejo" e tentando nos impingir "a poeirada sob o tapete auriverde. As fronteiras das unidades ultramarinas Guina (Inglesa), Suriname (Holandesa) e Guiana Francesa. Nesta possessão gaulesa, há tempos foi construído um centro aeroespacial que serve ao G7. Todavia, há forte movimento de independência instituído pelos nativos que vivem sem proteção alguma. Suas casas são choupanas à beira-mar. O padeiro e professor universitário - preso político- Monsieur Diamond Charlotte(salvo engano) sobrevive com a venda de cocadas na feira livre. Este senhor juntamente com outros integrantes do movimento fazem sarau semanal ou mensal em prol da cultura local. A emissora Futura, em 20/07/2011, apresentou documentário no programa Entre Fronteiras, de lavra do jornalista free lance Luiz Nachbin. Cabe ressaltar que a entrevista sofreu censura, após meu questionamento sobre aquisição de uma cópia. E, igualmente, outras emissoras, como a EBC (Observatório da Imprensa) e o jornal Le Mond-BR, não respondem meus questionamentos sobre a situação daquela província fronteiriça ao nosso território. Segredo de Estado, talvez!

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