domingo, 12 de junho de 2011

PASSADO OBSCURO, PRESENTE SUSPEITO

Por Binga Monteiro

binga monteiro Dizem alguns amigos, se é que desta maneira posso tratá-los, que eu só vivo de passado. Talvez, ou com certeza, eles desconheçam que é pelo o seu passado que se reconhece um grande homem, e é através dele que poderemos consertar os inevitáveis erros que contemos na vida. O folclore nada mais é do que o passado sendo constantemente lembrado e revivido no presente. Tudo o quanto sabemos hoje devemos ao passado. O passado de um homem é a garantia do seu futuro.

Infeliz é aquele que não tem um passado para ser lembrado; aquele que nunca produziu em vida ou que nunca contribuiu para o progresso e o desenvolvimento de sua terra ou de seu país. Um homem de passado obscuro é suspeito; o de passado digno é confiável. O que valemos, hoje, devemos ao passado, pois o futuro ainda não existe e o presente é incerto.

É verdade que como todo ser humano eu já cometi muitas falhas e algumas faltas, talvez até imperdoáveis no decorrer da minha vida. Contudo, muito contribui para o desenvolvimento artístico e cultural desta terra, onde os meus olhos se abriram para a luz da vida. Disso, pouca gente se lembra.

Sempre fui materialmente pobre, mas muito rico de nobreza e humildade. Quando criança eu mendigava pelas ruas desta cidade para ajudar a minha mãe que era lavadeira de roupas, no sustento de meu velho pai, que era muito doente. Mas nem por isso me tornei bandido. Pelo contrário. Aprendi muito com este lado da vida. Fui obrigado, pelas desventuras da vida, a sair às ruas, como pedinte, aos sete anos de idade. Tempos de tristeza e de sofrimento, mas que me deixaram saudades. As marcas profundas de desgostos e desenganos já ficaram para o passado, permanecendo em mim a dignidade de ter tido um passado que hoje torno público, sem o receio de ser censurado. Talvez eu já tenha pago grande parte dos erros do passado. Outros, com certeza, ainda terei que pagar.

Lembro da casa onde nasci, no “Poço do Mato”, com janelas de miriti, à margens do caminho abrupto que hoje é a rua São José. Lembro-me dos meus amigos de verdade: o “Tucuxi”, o “Charuto” e o Benjamim, meu irmão de sangue e o mais velho do grupo. Todos já se foram desta vida, infelizmente. De dia íamos para as portas do Hospital Geral e das casas de gente que ainda tinham a bondade no coração, para pedir um prato de comida. Lembro-me do Sr. Abdalh, Dona Darina, “Seu” Zé Neves, Dr. Moutinho e o Capitão Ribeiro, este último hoje major reformado. Um dos que deram grande parte de suas vidas em benefício da cultura desta terra, rica de talentos, de gente piedosa e honrada.

À noite íamos para porta do Cine Macapá “reparar” bicicletas e vender bombons. Mas sempre arranjávamos algum tempo para irmos ao Barracão dos Padres, assistir aos seriados do Zorro e Batman, projetados na tela pelo saudoso “Estandico”.

Não sou do tipo idiota que costuma dizer: “Sou pobre, mas com muito orgulho”. Pobreza nunca foi motivo de orgulho para ninguém. Posso me orgulhar da minha dignidade e do meu caráter; de minha inteligência e minha bondade. O que levo desta vida é aquilo que aprendi no passado e que reflete no presente. Não me orgulho por ser pobre, mas por ser honesto.

...De ter um passado e me lembrar dele com dignidade. De ter a coragem de falar dele, neste momento, sem temer os hipócritas e os ignóbeis de natureza. E basta! (Diário Marco Zero. Macapá/Santana. 20.11.1996)

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