Caixas do marabaixo retumbam/retumbam em círculos movimentados de pés descalços/negros pés. E saem das línguas vermelhas os gritos guerreiros e as canções improvisadas da guerra que nunca houve. A valentia é substituída pelo insaciável apetite de voar sem asas para mitigar dores ancestrais, enquanto rosas brancas, açucenas e papoulas enfeitam a negra beleza dos cabelos esticados em rolinhos de plástico... E sob os olhares críticos da geração megahair.
As caixas retumbam/retumbam e dobram incansavelmente ao meio de odores/suores/toalhas e saias rodadas que combinam brancas anáguas bordadas de renda.
O Marabaixo prossegue em seu curso no arrasto dos pés pela roda, em curtos passos à frente e um passo cansado atrás.
As velhas do Marabaixo cochicham segredos e riem dos seus casos antigos que ora se sentam nos bancos corridos dispostos pelo salão. É lá que as histórias completam a memória, acertam verdades e crenças e extinguem resquícios de quizílias familiares.
No gesto de encher a colher de caldo e levá-la à boca, na satisfação do gole da batida de gengibre e na algazarra de enfeitar o mastro com galhos de murta, está a poesia do povo e a fortaleza do sangue um dia pisado e magoado por grilhões e calcetas.
O diabo está solto no tempo do Marabaixo. Dizem que quem for podre que se quebre ou que se pegue com o Divino, aquele do Espírito Santo.
O diabo está solto, sim. Mas as negras desdenham dele e gargalham em seus sorrisos falhos, sabendo que o que fazem é bonito, é autêntico e dá uma saudade imensa...
Do livro Equino Cio – Textuário do Meio do Mundo. Canto, Fernando. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA. 2004
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por emitir sua opinião.