quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

UMA NOVA CRÔNICA DE RUBEN BEMERGUY

Ruben_ Fazia um tempão que o Ruben não mandava um texto para o Canto da Amazônia. Bisexto assumido, o escritor traz mais uma produção eivada de metáforas e molhada de poesia, um jeito de escever que assinala sua obra e lhe dá um estilo próprio. Ensimesmado, sabe como um mestre retirar do fundo do fundo o sentido da palavra que alude e a torna tácita pelo trato poético (F.C.).

MEDOS

Ruben Bemerguy (*)

Minha história tem muitas gravuras. Algumas verídicas. Outras, nitidamente imaginárias. É inútil ensaiar separá-las. Elas se equivalem a toda hora. Elas também se amiúdam aos gritos e em silêncio. Eu as ouço e daí tudo se passa dentro de mim. Tenho medo de minhas gravuras. Tamanho é meu medo que, se bem sei, é ele a ilustração mais presente em minha vida.

Mesmo de coisas simples, tenho medo. Medo de poesia, eu tenho. Por isso, pouco a visito. Se me arrisco percorrer seus monumentos, a lua logo influencia meus movimentos e aí torno público o que trago de mais oculto. Sofro com isso. Sempre desejei alguns instantes de paz com a poesia. Poderia ela, não fosse meu medo, ter-me no colo. A pé, passear vagarosamente comigo. Soletrar-me. Despir-me e depois me deitar em seu casulo. Beijar meus olhos. Ah! Poesia, minha feiticeira. Só isso já me bastaria.

Também tenho medo dos que voam. Não pela preamar dos voos. Tenho medo do pouso. É um risco, por exemplo, pousar em um coração. Se ele é moço e se ainda não crê nos loucos, pobre pouso. Se já maduro, e se se crê exausto e em desuso, pobre pouso. Tenho muitos hábitos de defesa ao menor sinal de um pouso. Pernoito muito por isso desviando-me dos pousos. Não fosse esse medo, faria de mim um pássaro. Não para voar, mas só para pousar. Pousaria preguiçoso no corpo dele. Destruiria todos os muros. Juntos, içaríamos um ao outro. Indo e vindo. Não fosse meu medo, só isso me bastaria.

Tenho tantos e diferente s medos e, ainda assim, desguarneço-me. Contra essa desatenção ensaio todos os meus ódios. Há muito, pus meu exército de prontidão e às suas baionetas e foices descrevo minuciosamente cada poesia, cada possibilidade de pouso. Armo cadafalsos nos lugares mais altos. Secretamente, destruo cidades e dos escombros escuros que sobram desenho nomes. Sobre eles deito para me certificar que premeditadamente os aniquilei. Vou adiante. Alvejo a lua das sextas-feiras. Firo e confiro cada gota de lua derramando. Descanso ao perceber que não existem mais noites de sexta-feira. Também incursiono sobre os sábados e domingos. Inverto suas existências. Sábado é segunda-feira e domingo é terça-feira. Isso, só para proibir e escravizar. Faço tudo sem qualquer piedade. Ao fim, atiro o corpo dele a última estrela do universo. Cansado, volto. Rio do meu exército. Rio da lua gotejando e dos dias da semana que castrei para me proteger dos medos. Sozinho, choro. Choro muito de mim.

(*) Ruben também é advogado

3 comentários:

  1. LEIO COM ALEGRIA UM BELISSIMO TEXTO INSERIDO NO MEIO DESTE "NINHO CULTURAL" QUE ESTE ESPAÇO DE FERNANDO CANTO PERMITE E ASSEGURA.TEXTO DE UM SURREALISMO POETICO, REPLETO DE FIGURAS, E CAMINHOS CRIATIVOS, MUITO BEM TRABALHADOS.TEXTO QUE ESTA NIVELADO A QUAISQUER DOS BONITOS TEXTOS LITERARIOS QUE LEIO NO MEU AFÃ DE ME EMBRIAGRAR DO BELO.QUIÇA FOSSE ASSIM O QUE NÃO É.
    É POSSIVEL MESMO QUE NÃO SEJA LENDA QUE O "AÇAI" ESSENCIALIZA
    ESCRITORESPOETAS, E QUE O CALOR DO AMAPÁ OS VERTICALIZA.
    LUIZ JORGE.

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  2. Ruben faz uma viagem introspectiva na própria alma como se tivesse, solicitando que nós o acompanhásssemos no véu da palavra. Cá vou sem pressa deslizando nas letras almadas desse defensor público das missivas da arte. Uam espécie de Rubem Alves do extremo Norte que vive nas imediações do Perpétuo Socorro em noites de lua inteira. Outrossim, ainda, Viajo me enclausurando na prosa poética do homem que se diz ter medo da própria poesia. Mas Como, "suprimo"? Diria o caboclo amazônida que se acocora nas ribeiras e igapós para ver escorrer o grande rio no rumo do mar, como se tivesse "ouvindo o Ruben defensor público das palavras"...
    Ruben, me ouça, sou o deus do nada: por vezes é bom ter medo da poesia. Ela carrega o emblema da palavra solta, do grito livre, do pensamento a esmo. Mas uma coisa é certa, Ruben: ela tem um descarrego chamado liberdade. liberdade que voa alto. Quem quiser experimentar a altura desse voo, que se achegue e peça duas pedras de gelo lá pra bandas do Perpétuo Socorro para tomarmos "uma" no bar do Abel. Por falar nisso, na próxima sexta estarei por aí para comemorarmos esta viagem literária ao centro do Abel.

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  3. A informação*:"* Ruben Também é advogado" É Ótima!Diz tudo, Pois o que ele é mesmo é: Rasgador de letras...
    Angela de Carvalho

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