segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SINFONIA EM QUINTAIS

Texto de José Edson dos Santos

A janela da alma abre cedo para o encantamento dos sentidos e enquadra, como em um cartão postal, um jardim em primavera. Rosas, cravos, gardênias, crisântemos, hortênsias, gerânios, margaridas, narcisos e violetas esperam pelo olhar de um pintor impressionista com seu deleite por tanta cor, luz e poesia.

Borboletas e beija-flores bailam airosamente na música do vento. No vôo da imaginação, duendes elfos procuram o néctar da quintessência, camuflados na fragrância da manhã maravilhosa.

Debaixo de uma mangueira, um cachorro perdigueiro dorme sereno sob o calor vesperal. Azulões e bem-te-vis orquestram no ar. Na varanda da casa do outro lado, um gato angorá desvela o novelo do fio de tricô, lambe as suas patas e se espreguiça. Um pouco mais adiante, alguém na rede balança a esperança, lendo um livro de aventura ... Vivaldi é saudado com "As quatro estações".

Depois da cerca do quintal, galos altivos amolam esporões para cortejarem as galinhas. Um pangaré no pasto passeia com trote e fidalguia. No meio da folhagem, calango tango de tanta correria e susto.

Alhures, descendo uma ponte estreita, as águas do córrego cristalino murmuram. Uma menina franzina carrega a trouxa de roupa. Peixes pequenos dilatam as pupilas e fogem silenciosos por entre pedras e musgos. O sol brilha no infinito.

O cheiro bom de pomar lembra infância cheia de frutas multicores. Faunos e ninfas protegem o bosque da fantasia onde a magia da vida fica guardada, juntamente com a aura secreta das pessoas. Cordas e sopros ecoam do inusitado, abrindo o manto diáfano da vertigem.

Flores, animais, seres, córregos, rios, pomares, florestas e o bicho-homem. Todos pertencem à natureza. Tem vida, dão vida e por ela procuram um equilíbrio para viver em harmonia. O acaso, o caos, o maligno, o agouro, a fuligem das coisas Olho de besta das trevas tramam ardilosamente nos braços da feiúra.

O tempo calorento, áspero e cinza estende um lençol de ansiedade sobre a paisagem inútil. Uma nuvem de piche e enxofre paira sobre a cabeça do bicho-homem como sentença e maldição. Indiferente, ele conspira com sua ambição, vaidade e insensibilidade cega. Levanta arranha-céus e shoppings, louvando o progresso e a prosperidade. Faz um cercado ameaçador com um aviso: "É proibido pisar na grama".

Domingo de verão. Feriado do bicho-homem. Um paquiderme arrogante e cínico faz piquenique com a sagrada família reunida. Por onde os bárbaros passam, o cenário fica deplorável, restos de comida, espinha de peixe, casca de banana, garrafas, plástico, farofa e entulho de besteiras vão emporcalhando a praia indefesa O suíno muito feliz se bronzeia ao sol causticante antes de arrotar que gosta de curtir a natureza todo o fim de semana.

O paquiderme da praia também faz parte da natureza do bicho-homem. Se diferencia de um ruminante porque pensa. Faz apologia às guerras como controle da natalidade. Polui o ambiente com sua presença adiposa e grotesca. Com o seu desmazelo, o planeta fica cinzento, triste e doente, mesmo quando blasfema em nome do poder, do lucro e do progresso.

Compactuar com a sordidez do paquiderme e da besta aniquilar O princípio do futuro pleno. Assinar a carta de comoção por um modo de ver a aurora da sensibilidade aflorando em cada cabeça.

Abrir a janela da alma ao semear a consciência ecológica como atitude política de ser. A plenitude pleitearmos diuturnamente como possibilidade de estar no mundo

Fauna, flora, as coisas, os seres, o bicho-homem e os elementos da natureza em equilíbrio e harmonia. Inteiros para serem eternos. Abrir a janela do mundo com a certeza do arco-íris da esperança. Sol de virtude, chuva de felicidade. Sobre a cidade o incenso da perseverança alcançando o gesto solidário da criança, acenando à paisagem humana que passa e transmuta os espaços. Receber o cartão postal da preservação, apesar do cimento. Distribuir a poesia da necessidade de resistência e proclamar um sempre verdecológicolhar na janela da vida. Lavar a alma na cachoeira na certeza do espírito redivivo. Luz, plenilúnio e quintessência. Água, terra e ar. A aurora do ser em comunhão com os seres e as coisas. Resistir unos e plenos. Sempre.

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