segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O DESFILE

Conto de Ezequias Ribeiro de Assis

Filha única e mimada tornou-se extremamente convencida depois que fez os 15 anos e os pais corujas lhe disseram ser a mais linda debutante da festa. Não considerava ela que a mãe e o pai tinham um conceito completamente diferente da beleza feminina. Castigados pela feiúra e mirando-se diariamente um ao outro, perderam o senso da estética e a filhinha desengonçada era para eles uma criatura perfeita, de quem faziam constante propaganda, sob o riso irônico dos conhecidos e, enchendo de alegria e de orgulho a pequenina megera.

Quando as colunas sociais anunciaram o desfile, a família toda se deslumbrou. Esta era a oportunidade de consagração do clã, de mostrar a todos que a filha dos Praxedes Fagundes era a mais bela da cidade. Sua inscrição foi providenciada com o colunista do maior jornal, que não pôde furtar-se a isso em virtude das constantes ajudas que recebia de madame, para as suas promoções. Madame era rica e generosa e não convinha desgostá-la. Discretamente informou que o desfile seria de maiô e as medidas que o júri levaria em conta para proclamar a vencedora, e nas quais não se enquadrava, nem de longe, a ossuda candidata. Disse que algumas casas tinham criado secções especializadas em "enchimento" e que agora estava na moda usar aqueles recursos para modelar as formas, muito embora reconhecessem ter a garota as medidas ideais, com categoria para brilhar em qualquer passarei a, desde que os juízes abandonassem a já padronizada preferência pelas candidatas de curvas exuberantes. Madame convenceu-se e resolveu adquirir alguns enxertos para a filha, dizendo para si mesma que somente o fazia para acompanhar o "chie" da moda e forçada pela burrice dos jurado.

O desfile estava próximo e era necessário providenciar tudo. Foram comprados inúmeros potes de creme, sobrancelhas e unhas postiças, cabeleiras, pó Corega, esparadrapo e fita durex (os enchimentos não tendo curvas para se firmar, tinham que ser pregados), e muitos outros pequeninos subterfúgios da malícia feminina.

Durante os ensaios correu tudo mais ou menos, apesar dos risinhos zombeteiros das outras concorrentes e o atraso que a "miss-osso" causava com seus prolongados preparativos. A mãe cada dia mais se convencia da vitória da filha e não lhe poupava o uso de enxertos, nos lugares onde a natureza não lhe fora muito pródiga.

Até que chegou o grande dia. Nervosa, a filha dos Praxedes Fagundes aguardava a sua vez de desfilar, deslumbrada com os aplausos que eram dados às suas esculturais adversárias, não estando agora tão certa da vitória. Passava a mão de leve pelo corpo, temendo encontrar uma ponta de esparadrapo, solta pela tremedeira que lhe sacudia e aumentava à medida que o desfile prosseguia. Quando deu entrada no salão, um jato de luz ofuscou lhe e o silêncio da plateia deu-lhe medo. Os dentes tilintavam e faziam um ruído já dela conhecido. E agora, como iria sorrir? Haviam-lhe recomendado mil vezes que o sorriso é a principal arma da candidata. Pelo menos, daria um jeito de sorrir para os juízes. Com tremendo esforço, ajudando-se com a língua, abriu a boca. Milhares de gargalhadas transformaram o salão num inferno. Aos pés dos juízes estava a dentadura superior da filha dos Praxedes Fagundes.

No bilhete que a jovem suicida deixou, recriminando seus pais, ela afirmava que nunca os perdoaria por terem esquecido a latinha de Corega, o pó fixador de dentaduras postiças...

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