terça-feira, 14 de julho de 2009

O Marabaixo de 1898



O jornal “Pinsonia”, primeiro periódico a ser impresso e a circular em Macapá, provavelmente de 1895 a 1900, traz em sua edição de 25 de junho de 1898 um artigo anônimo denominado “Mar-Abaixo”.

Julgo que se faz necessário mostrar aos pesquisadores e leitores a visão da época sobre o folclore local, uma visão de aversão às manifestações populares, de caráter racista e discriminador. Na época o “Pinsonia” era propriedade do deputado e Redator-Chefe Mendonça Júnior, que não se encontrava na cidade, conforme o “noticiário” de primeira página em que o jornal diz ter recebido carta dele através do vapor “Pedro 2º”, no dia 17 do corrente. O Diretor-Gerente era o tenente-coronel José Antônio Sequeira, que como o seu chefe, virou nome de Rua em Macapá.

O texto, ipis litteris, é o seguinte:

“Até que afinal desapareceo o infernal folguedo, a dança diabola do Mar-Abaixo; serà uma felicidade, uma ventura, uma medida salutar aos órgãos acústicos, se tal troamento não soar mais, senão nas profundezas da terra, nos subterrâneos onde moram monstros, capazes de supportar tamanho ribombo de estravagante musica para meneio immoral e nojento”.
“Graças ao Divino-Espírito Santo, symbolo de nossa santa religião, que só exige a pratica das bôas acções, não ouviremos os silvos das víboras que dansam ao som medonho dos gritos dos maracajás, que ao mesmo tempo batem com as patas, produzindo barulho que faz arripiar as carnes, e os cabellos, que é sufficiente a provocar doudice á qualquer individuo”.
“O nosso primeiro artigo á respeito deu no gôto de muita gente boa, que dá alma vida e coração pelo tal brinquedo; deu-lhe no gôto, mas negativamente, pois não comprehendera o sentido da linguagem, toda moralisada, toda doutrinal, toda civilizada”.
“Alguém desesperou-se com a nossa licção de moral, a ponto de atirar apôdos ao nosso Director, que de coração bem formado, não negará misericórdia aos pobres de espírito”.
“Que o MAR-ABAIXO É INDECENTE, É O FÓCO DAS MISÉRIAS, O CENTRO DA LIBERTINAGEM, A CAUSA SEGURA DA PROSTITUIÇÃO, ASSEVERAMOS”. (grifo nosso)
“Que os paes de famílias não devem consentir as suas filhas e esposas freqüentarem tão inconveniente e assustador espetáculo DESSA DANSA, ORIUNDA DOS CAFRES, (grifo nosso) aconselhamos, para darmos bello, edeficante e moralisador exemplo de civilização, para demonstrarmos que enchergamos alguma cousa”.

Não nos foi possível identificar o autor desse artigo, mas ele mesmo cita que o seu primeiro texto a respeito do assunto, “deu no gôto de muita gente boa, mas negativamente”, e que seu diretor foi objeto de zombarias. É importante notar que o articulista moralista fala da “estravagante música para MENEIO immoral e nojento” e afirma que o marabaixo é a causa de todos os males daquela sociedade de outrora. Evidentemente que a situação deve ser contextualizada para uma análise melhor do fato, por isso considero esse texto mais que um desafio para pesquisadores. É uma viagem no tempo.

Em 31 de maio de 1899, edição nº116, o jornal traz o texto “Festa do Divino Espírito Santo”, assinado por Pancrácio Júnior (possivelmente pseudônimo de Mendonça Júnior), no qual elogia o festeiro e Juiz da festa Dr. Raimundo Álvares da Costa, faz interessantes descrições de alguns dos seus aspectos, mas se revolta com a ausência do cônego Teixeira, contratado para as solenidades da igreja e que vinha munido de portaria do governo do bispado e que desistira no último momento.

Mas essa já é outra história.

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