"No princípio eram pedras e paus. Então inventaram a lança, a funda, a flecha ..."
10
Mais brilhante que um cometa
da Europa surgirá um míssil
anunciando a vinda dos Quatro Cavaleiros
O espetáculo de fogo enseja
a renatividade de um Cristo confuso
entre dez mil estrelas desguiadas
e reis desintegrados no deserto
"Na batalha de Adrianópolis, no ano de 378, a cavalaria visigoda e ostrogoda dizimou as legiões romanas: 40 mil mortos".
9
Genebra é a capital da atenuação
Olhares antípodas se cruzam
e o mundo suspira de alívio
ligado nas cenas de sorrisos
e apertos de mãos
"A infantaria cedia lugar ao homem montado, uma arma dominaria os campos por séculos".
8
Homens e santos politizam gestos
privatizando o que não lhes pertence
Qualquer merda será lucro
escatológico
na proliferação dos cientistas
que criam os meios
e combatem os fins
Oh infeliz essência de evidência!
Lixo humano
poluindo inteligência
"Em 1139, um édito do Vaticano proibiu o uso da besta, exceto contra muçulmanos. Ela era capaz de penetrar uma cota de malha a 150 metros."
7
Dialogaram cuspindo painas
ao vento do inverno inadiável
o ponto convergente foi a certeza:
- Após a bomba a dor acabará.
Homens e robôs transformam a terra
fabricando ogivas
como quem fabrica filhos
Os arsenais se multiplicam
e as conversações aumentam
Quem sabe mesmo
são os intérpretes
(enclausurados nos segredos)
"No século XIV, o uso de canhões tornou inúteis os castelos e seus torreões. A pólvora deu impulso à busca de armas capazes de atingir o inimigo com maior rapidez e impacto".
6
Corre ocidente
Corre oriente
Corre boiada humana
Correm megatons
Cidades desenganadas
Desfile de dentes brancos
Sádicas gargalhadas
Maratonas de instrumentos
Botões e temperamentos
Quem ganhar tem como prêmio
O fogo desesperado
Do mito de Prometeu
"Um avanço simples – converte de rombuda para pontuda a extremidade da bala – tornou o fuzil uma arma extremamente mortal: 86% das baixas da guerra civil americana foram provocadas por fuzis".
5
A Paz é uma atividade guerreira
Inda que por meios mais obsoletos
o homem fere e vaza
os olhos do inimigo
Por trás do ódio absoluto
há um claro e louco canto
Agônico
Do homem
Hospedeiro da noite prematura
"O gás penetra em qualquer refúgio, o avião tornou desprotegido qualquer exército".
4
O sonho dos alquimistas
a doce ilusão de Dumont
se volatizam no ar-nada
No coletivo sufoco de Bhopal
No cheiro esdrúxulo da morte
mais que anunciada
por poucos preservadores da raça
Chernobyl, Chernobyl
Protótipo da noite longa
A noite dos fragmentos
noite dos fragmentos
dos fragmentos
fragmentos
"Mas foram criadas armas antitanques, máscaras contra gases, mísseis que derrubam aviões".
3
Presidentes, reis, xeiques, aiatolás
miram botões
Coçando as mãos
Antes, porém, fazem os tratados
Acordos e convenções
- pactos caros -
E louvam os desarmamentos
Dos outros, dos menos fortes
Os botões, sem vida, permanecem
à espera do aperto inconseqüente
Nações ardem em desespero
à revelia do último momento
Pela liberdade que definha
e por seus deuses que fugiram
"As armas nucleares elevaram a potência de impacto a níveis extremos, o uso de foguetes permitiu vencer a distância e a eletrônica tornou a precisão melimétrica"
2
Bomba, bomba
Excrescência da ciência
O tumor sem cura
Letal veneno que o saber
humano
jamais fabricou
- Que mentiras devassam
o gênero do homem
e a evolução da espécie?
A doutrina armamentista
a oficina da destruição
ou o cinismo deflagrado
antes das armas
"Da besta ao míssil nuclear, a história da corrida armamentista é uma seqüência de 'últimas armas' sendo sobrepujadas pela seguinte, mais letal".
1
Como no Japão
Three Mile Island, Goiânia, Chernobyl
New York, New York, quem sabe Rio ou Tumucumaque
vivemos a iminência do perigo
a certeza do risco
e a ausência dos abrigos
O homem
- o hospedeiro da agonia
o mesmo fabricante das ogivas
pedirá clemência a ele próprio
quando a negação da raça
for a tônica primordial
do genocídio absoluto
"Uma arma, enfim, que colocará fim a todas as guerras".
FOGO!!!
Pesam, contudo, todos os avisos
a mão do ecologista
a graça
das crianças
o poema e a esperança
No outro lado da balança
treme, inexplicavelmente
a Gênese mal começada
ao som do Apocalipse...
Belém, 1987
N. A. As frases que antecedem os poemas foram retiradas do texto "Corrida Sem Fim da Arma Total" (revista ISTOÉ, de 20.11.85)
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