quinta-feira, 16 de julho de 2009

HOSPEDEIRO DA NOITE PREMATURA

"No princípio eram pedras e paus. Então inventaram a lança, a funda, a flecha ..."


10
Mais brilhante que um cometa

da Europa surgirá um míssil

anunciando a vinda dos Quatro Cavaleiros

O espetáculo de fogo enseja

a renatividade de um Cristo confuso

entre dez mil estrelas desguiadas

e reis desintegrados no deserto

"Na batalha de Adrianópolis, no ano de 378, a cavalaria visigoda e ostrogoda dizimou as legiões romanas: 40 mil mortos".

9

Genebra é a capital da atenuação

Olhares antípodas se cruzam

e o mundo suspira de alívio

ligado nas cenas de sorrisos

e apertos de mãos

"A infantaria cedia lugar ao homem montado, uma arma dominaria os campos por séculos".

8

Homens e santos politizam gestos

privatizando o que não lhes pertence

Qualquer merda será lucro

escatológico

na proliferação dos cientistas

que criam os meios

e combatem os fins

Oh infeliz essência de evidência!

Lixo humano

poluindo inteligência

"Em 1139, um édito do Vaticano proibiu o uso da besta, exceto contra muçulmanos. Ela era capaz de penetrar uma cota de malha a 150 metros."

7

Dialogaram cuspindo painas

ao vento do inverno inadiável

o ponto convergente foi a certeza:

- Após a bomba a dor acabará.

Homens e robôs transformam a terra

fabricando ogivas

como quem fabrica filhos

Os arsenais se multiplicam

e as conversações aumentam

Quem sabe mesmo

são os intérpretes

(enclausurados nos segredos)

"No século XIV, o uso de canhões tornou inúteis os castelos e seus torreões. A pólvora deu impulso à busca de armas capazes de atingir o inimigo com maior rapidez e impacto".

6

Corre ocidente

Corre oriente

Corre boiada humana

Correm megatons

Cidades desenganadas

Desfile de dentes brancos

Sádicas gargalhadas

Maratonas de instrumentos

Botões e temperamentos

Quem ganhar tem como prêmio

O fogo desesperado

Do mito de Prometeu

"Um avanço simples – converte de rombuda para pontuda a extremidade da bala – tornou o fuzil uma arma extremamente mortal: 86% das baixas da guerra civil americana foram provocadas por fuzis".

5

A Paz é uma atividade guerreira

Inda que por meios mais obsoletos

o homem fere e vaza

os olhos do inimigo

Por trás do ódio absoluto

há um claro e louco canto

Agônico

Do homem

Hospedeiro da noite prematura

"O gás penetra em qualquer refúgio, o avião tornou desprotegido qualquer exército".

4

O sonho dos alquimistas

a doce ilusão de Dumont

se volatizam no ar-nada

No coletivo sufoco de Bhopal

No cheiro esdrúxulo da morte

mais que anunciada

por poucos preservadores da raça

Chernobyl, Chernobyl

Protótipo da noite longa

A noite dos fragmentos

noite dos fragmentos

dos fragmentos

fragmentos


"Mas foram criadas armas antitanques, máscaras contra gases, mísseis que derrubam aviões".

3

Presidentes, reis, xeiques, aiatolás

miram botões

Coçando as mãos

Antes, porém, fazem os tratados

Acordos e convenções

- pactos caros -

E louvam os desarmamentos

Dos outros, dos menos fortes

Os botões, sem vida, permanecem

à espera do aperto inconseqüente

Nações ardem em desespero

à revelia do último momento

Pela liberdade que definha

e por seus deuses que fugiram

"As armas nucleares elevaram a potência de impacto a níveis extremos, o uso de foguetes permitiu vencer a distância e a eletrônica tornou a precisão melimétrica"

2

Bomba, bomba

Excrescência da ciência

O tumor sem cura

Letal veneno que o saber

humano

jamais fabricou

  • Que mentiras devassam

o gênero do homem

e a evolução da espécie?

A doutrina armamentista

a oficina da destruição

ou o cinismo deflagrado

antes das armas

"Da besta ao míssil nuclear, a história da corrida armamentista é uma seqüência de 'últimas armas' sendo sobrepujadas pela seguinte, mais letal".

1

Como no Japão

Three Mile Island, Goiânia, Chernobyl

New York, New York, quem sabe Rio ou Tumucumaque

vivemos a iminência do perigo

a certeza do risco

e a ausência dos abrigos

O homem

- o hospedeiro da agonia

o mesmo fabricante das ogivas

pedirá clemência a ele próprio

quando a negação da raça

for a tônica primordial

do genocídio absoluto

"Uma arma, enfim, que colocará fim a todas as guerras".


FOGO!!!


Pesam, contudo, todos os avisos

a mão do ecologista

a graça

das crianças

o poema e a esperança

No outro lado da balança

treme, inexplicavelmente

a Gênese mal começada

ao som do Apocalipse...


Belém, 1987



N. A. As frases que antecedem os poemas foram retiradas do texto "Corrida Sem Fim da Arma Total" (revista ISTOÉ, de 20.11.85)

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