terça-feira, 15 de novembro de 2011

O TAJÁ ONÇA

tamba-tajaConto de Moraes Rêgo (*)

Santa era gorda e bonachona. Ridículo era o apelido que carregava por toda a vida: Santinha. Que funcionou enquanto era jovem e delgada. Mas agora até parecia gozação. À medida que Santinha pegava corpo engordando, Januário, seu marido, ia definhando. Emagrecendo. Diziam as más línguas que ela sugava toda a sua energia. Vampirizava-o do emagrecimento excessivo à fraqueza total. Januário acabou por chegar no seu triste fim: a morte. Quando ainda locomover-se com desenvoltura, Januário, que parecia gostar muito de Santinha, deu-lhe um presente que a fez bem feliz: um tajá, para enriquecer a sua já sortida coleção de tinhorões. É bem verdade que Santinha apreciava as plantas em geral. Mas os tajãs eram os seus favoritos entre todos os vegetais. Com o presente de Januário, um tajá onça, verde pintalgado de manchas claras, a coleção de Santinha parecia ter ficado completa. Ali se encontrava o rio-negro, o rio-branco, o cala-boca, o caboco, o mão aberta (do macho e da fêmea), o pena, o sol e o guardará, que uma vizinha implicante insistia em chamar de um raio-de-sol, o tamba-tajá, o “minha” (como Santinha denominava pudicamente o tajá que a cabocada da região chamava de tajá-buceta), o boto, o cachorrinho e o veadinho. Enfim, toda a variedade de tajás conhecidos. De todos ela gostava. Mas os seus favoritos pareciam ser rio-branco e o rio-negro. Plantados respectivamente da casa e no fundo do quintal. Para a proteção. Já que foram devidamente curados. Acontece que, após morte de Januário, a gorda viúva pareceu transferir para o tajá presenteado pelo finado toda a afeição a ele dedicada. Plantou-o na frente do seu terreno. E passou a dar-lhe, com periodicidade, águas de carne. Naquele trecho do Tocantins, corria uma lenda que o tajá onça, sob certas condições, podia transformar-se no felino homônimo. Por isso, os seus vizinhos sempre a preveniam. Quando a viam no seu ritual de regar com água de carne. “Cuidado, dona Santinha! Que ele pode virar a danada!” aliás, na história do povoado, já havia notícia do aparecimento, ali mesmo na beira do rio, de uma ou outra onça. Foragida e acuada por caçadores do centro. Ou esfomeada. À cata de xerimbabos. Um dia, Santinha sumiu. O seu paradeiro ninguém sabia explicar. Ninguém viu sair. Seu corpo não foi encontrado nem nas capoeiras circunvizinhas. Nem na roça. Nem no fundo do rio. Mas havia um trajeto de sangue, que ia justamente da janela do quarto de Santinha, até a touceira do tajá malsinado. O que fez sua vizinha Feliciana concluísse: - “Num disse? Ele virou onça e comeu ela!”, O que provocou a exclamação do Maneco, o gozador vizinho da direita: - “ ÊTA! Tajá porrudo!”, imaginando como imensa mulher poderia ter sido engolida pela minúscula planta!


rego(*) JOSÉ DE MORAES REGO

Artista plástico, professor universitário (UFPA), médico. Fez seus primeiros comentários de Arte em artigos publicados em “A Província do Pará” e “A Folha do Norte”, em 1958. Autor de “pajelança da Vigia”, que mereceu Menção Honrosa no I Concurso de Folclore Amazônico da Academia Paraense de Letras, publicado pelo Governo do estado do Pará, como parte integrante das solenidades comemorativas da Adesão do Pará à Independência (Imprensa Oficial do Estado do Pará – 1973), do ensaio científico “Interpretação de Achados Retoscópios nas Hemorróidas” (Edição do autor – 1974), de “Litolatria –culto das pedras no Estado do Pará”, agraciado com a 1ª Menção Honrosa do 30º Concurso Mario de Andrade da Prefeitura do Município de São Paulo (SP) (Edição do autor-1983) e de “40 Anos de Arte” (Edição do autor – 1986), publicado em comemoração aos seus 40 anos de atividade artística. Autor de cerca de duas dezenas de ensaios científicos, área da Medicina, e de outros, de natureza folclórica, dentre os cais se destacam “O Homem de Murini e sua Medicina Caseira” (Revista da UFPa Belém 1972), “Contribuição aos estudos das Lendas Aquáticas Amazônica”(“O Liberal”, Belém,1975) “Influência Afro-Umbandista Paraenses” (“O Liberal”, Belém,1979), além de mais de trezentos títulos, publicados até o presente, em periódicos locais ( A Província do Pará, O Liberal, o Estado do Pará, etc.) entre ensaios, crônicas e contos, muitas vezes de temática amazônicas, apresentam, quase sempre, um caráter fantástico, transcendental. A seu respeito foi dito: “... é, sem dúvida, um dos nomes de intelectuais de sua geração, que assinam permanência na história da cultural desta terra... “(Ápio Campos). É membro da Associação Paraense de Escritores (A.P.E.), e colaborador da seção de literatura de “A Província do Pará”.

Foto do Tamba-tajá disponível em: http://folhadeorixa.blogspot.com

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