Josyanne Franco
Recolho conchas que o mar deposita sobre a areia. Nem aves nem cães. Lembrança de infância, curiosidade de adulto. Desparceiradas, as conchas repousam seu sono eterno e sem conteúdo vestidas de branco, cinza, rosa ou lilás, muitas vezes com variante dégradé na mesma apresentação. Madrepérola discreta vai conferindo importância aos lisos fragmentos, à pálida e silenciosa existência... Algumas têm vincos profundos, diversos, perfeitamente alinhados, capricho natural. Outras ainda se encontram coladas, aderidas sem sucesso: o tempo e o vento as separarão. O fluxo contínuo da maré expele seu produto calcário sem alma, a casa sem vida de um molusco, invertebrado ser que se quedou aos caprichos do chão salgado que vive marés. Examino e olho o mar: desatino de beleza, imensidade azulada escondendo vida e morte que não precisam ser sabidas, mas são descobertas pelas cascas frágeis e ocas que se deitam na areia. Uma faixa inteira se estende pela praia, como sendo muro colorido e modesto, aglutinado cemitério de sepulcros vazios. Fina garoa começa a cair, esfriando o ar, levando para longe os poucos caminhantes da praia deserta. Um suspiro de alívio e incredulidade escapa de meus pulmões: banha os meus pés a água salgada do mar, desce sobre mim a água doce do céu... E o medo de se molhar que parece não fazer sentido quando se está cercado de água por todos os lados provoca correria. Árvores nativas servem de abrigo a três outros viventes enquanto a chuva desce pesada e sem trégua. Penso no que a vida tem de doce e de sal, ofertando, no tempo certo, o que precisamos provar. Percebo que minha casca humana quer se deitar na areia, quer se banhar no mar... Minha alma precisa de mergulhos para querer a superfície! Meu corpo vertebrado será devolvido ao solo firme numa golfada única que me empurrará para fora e eu sairei trôpega e salgada daquele abraço morno e fluido até a praia, esperando que a chuva escorra um pouco do sal aderido à minha pele. Concluo que o desafio nas ondas é semelhante ao que encontro pelos caminhos, onde me apresento por vezes fechada tal e qual uma concha, ora sem o lado que a completa, ora em fragmentos coloridos que inventam alegria, mas nunca vazia. As ondas da vida têm gigantescos braços e um dia me expulsarão de seus domínios, quando enfim eu deitar sobre a terra no repouso final. Restarão montanhas, nuvens, mar e chuva na exuberante paisagem. Sobrarão marés a levar conchas sem moluscos para a areia, renovando o ciclo selvagem. Continuarão existindo indagações, pensamentos e surpresas em qualquer alma sensível que caminhe sem pressa nem pretensão ao longo de uma praia deserta nalgum dia de chuva...
(*) Editorial do Jornal Caju. Edição nº 30. Novembro/ 2011
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