segunda-feira, 2 de novembro de 2009

É BIG! É BIG!

ARAGUARINO Aniversário de José Araguarino de Mont’Alverne, 89 anos. É maçom, escritor e foi Delegado de Polícia.  Em sua homenagem publico uma de suas crônicas.

A Pororoca (Crônica de José Araguarino de Mont’Alverne)

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Pororoca no Rio Araguari. Foto de Juvenal Canto.

Seria difícil, muito difícil mesmo, enume­rar os grandes fenômenos que a natureza nos oferece. No céu, na terra e no mar há fenôme­nos que nos deixam maravilhados e embeve­cidos por sua beleza e grandiosidade, sobre­tudo se passamos a observá-los com a alma, elevando a nossa visão espiritual ao Criador, ao Supremo Artífice deste extraordinário con­junto onde está a Terra como pequenino grão de areia.

A pororoca é um desses fenômenos que por sua altivez e majestade, e pela polêmica, mas na verdade desconhecida explicação, nos enche os olhos e nos deixa verdadeiramente maravilhados.

No baixo rio Araguari ela se manifesta es­plendorosa, surgindo periodicamente e com maior intensidade nas épocas invernosas, no começo da montante. Em determinados esti­rões, se o leito por sua formação topográfica oferece melhores condições, ela varre o rio de margem a margem, proporcionando um des­lumbrante panorama.

Primeiramente escutamos, vindo de muito longe, um ruído semelhante ao barulho de um trator trabalhando à distância. Os minutos vão passando e o ruído aumentando, até que, de­pois de inquietante espera, quando os nossos olhos já se cansam de perscrutar a sua apari­ção ao longe, uma faixa branca avançando ho­rizontalmente sobre a superfície plana do rio começa a aparecer e a crescer, e sua visão vai aumentando a medida que ela se aproxima imponente e sobranceira.

Sua passagem pêlo rio é espantosamente formidável; é como estouro de uma manada de búfalos.

A faixa branca que ao longe mais parecia um lenço de cambraia se agitando, nada mais é do que três grandes ondas espumejantes que vêm em trambolhões, como descomunais cilindros compressores, rolando desvairadas sobre a planura do rio.

Como uma fila de soldados marchando ca­denciadamente em perfeito alinhamento e correta cobertura, assim vêm as três ondas, uma atrás da outra, com a segunda se agigan­tando à primeira e a última se sobrepondo às duas.

Elas formam a pororoca que com o seu bojudo volume subindo impetuosamente às margens, invade a ribanceira qual horda sel­vagem, e na sua corrida avassalante vai sola­pando barrancos, desalojando abruptamente das tocas os tranqüilos acaris, quebrando e retorcendo os galhos das árvores da ribeira, arrancando troncos e revolvendo raízes, tudo carregando e destruindo na sua passagem tresloucada. Com ela vem a enchente da maré, com as águas subindo vários metros, como se fosse um grande caldeirão em fer­vura. Como dizem os moradores do lugar, "a pororoca vem na cabeça da enchente".

Atrás de todo esse burburinho de água barrenta, assim como um chacal que segue rastejante o lobo, vem o banzeiro, "o rabo da maré" como diz o caboclo, açoitando as praias e assustando os 'peixes e os mariscos mal re­feitos do susto e dos volteios que deram ao se­rem envolvidos e apanhados pela força d’água.

Faceta curiosa da pororoca é que durante o percurso ela atua com maior ou menor in­tensidade, chegando a desaparecer em deter­minados pontos do rio, para boiar mais adiante. Se o leito é raso ela se agiganta, mas diminui de volume se encontra maior profun­didade, e até chega a sumir, como um mergu­lho, se a profundidade, vai além dos cinco metros.

Passada a pororoca, a água que subira tão depressa, baixa como por encanto, como havia tufado - é a "torna" como é vulgarmente designada, para dai então ir enchendo gradati­vamente, até que o seu fluxo atinja o nível da maré cheia. Após o refluxo que se segue à en­chente, vem a reprise do espetáculo, com maior ou menor intensidade, dependendo da influência que a maré receba da Lua, esteja ela em fase crescente, cheia, minguante ou nova.

No inverno a pororoca é mais forte na Lua Nova, enquanto no verão, período que por ve­zes nem chega a aparecer, a sua maior in­fluência é na Lua Cheia.

A pororoca faz outros desatinos, e quando passa como um vendaval vai desarrumando tudo.

Ela é também responsável pelo que ocorre na foz do rio e adjacências, que por causa de sua força titânica, modifica a forma hidrográ­fica do leito, tornando-o instável, com longas praias se formando, para depois desaparece­rem como surgiram.

E muito comum encostarmos a canoa ao pé da escada de uma casa, amarrando-se a corda no esteio, para no ano seguinte termos de caminhar até um quilômetro ou mais, para chegarmos a essa mesma casa.

E que de um ano para o outro o rio como que recuando, oferece uma parte do seu leito, justamente o lugar para onde a terra foi levada e acumulada pela movimentação da maré, e ali forma uma praia. A fertilidade dessa terra reveste logo a nova praia de lodo que como macio tapete verde, serve primeiramente de farta mesa às aves marinhas e depois, com a grama, de pastagem para o gado.

A mesma maré que formou aquela praia, a destrói inteiramente, carregando a terra para mais distante, e onde era praia volta a correr o rio. O mesmo sucede com relação aos igara­pés que são formados e eliminados sob a mesma ação criadora e destruidora pela qual a pororoca é responsável.

O morador ribeirinho respeita muito a po­roroca, não se atrevendo a desafiá-Ia, e se ousa fazê-Io, quase sempre se arrepende ao ser castigado com naufrágios de embarcações e até por vezes com perdas de vida.

Quando a força da Lua provoca maré cheia e pororoca a altura de meio mato, ne­nhuma embarcação sai do seu ancoradouro e nem se afoita a empreender viagem passando pela boca do rio. A tripulação diz logo: "não se pode viajar agora porque a maré está de lan­çante; só nas mortas", isto é, as marés estão crescendo; só quando as águas baixarem, o que ocorre na fase amena da lua.

O pitoresco da pororoca é o que a sua in­fluência carismática exerce sobre os morado­res do lugar e a seu respeito eles contam os mais variados casos, que vão da crença de que em cada extremidade da onda da frente vêm dois negrinhos de barrete, à crendice de ficar muito forte, aquele que colher e beber da água espumejante dessa primeira onda. Crê ainda piamente, que se apanharmos uma por­ção dessa água em uma pororoca de Lua Nova e no mês seguinte, também na Lua Nova conseguirmos outra porção, essa água, mistu­rada e derramada em um trecho do rio ou até mesmo em outro rio onde a pororoca não atue, faz com que ela ali passe a surgir.

Um comentário:

  1. Fernando.Estas páginas são um adubo
    para a fertilização de fragmentos de minha memória.Mais uma vez por meio dos seus "resgates" e "dicas"
    do que passou e do que acontece.
    Vejo Araguarino com seu olhar instigador, fruto da vida de um homem esclarecido,e que por meio da amizade com seu filho Deoclides, um dos grandes amigos que fiz em Macapá
    conheci Dante, Pessoa, Exupery e outros "Gigantes" que de outra forma que não fosse o "Emprestimo" gratuito não teria aquela altura conseguido ler.Em outro paragrafo vejo Nilson,
    que escreveu o prefacio de nosso livro de poemas "Tempos do meu tempo" que não me emprestou nem um livro.Mas me aconselhou a tentar escrevê-los.A estes e a outros que você me mostra como se combinassemos.Um abraço.
    Destes abraços cheios de Pavulagens.
    L.Jorge.

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