domingo, 15 de novembro de 2009

O MURO RACIAL

Publicado no jornal “A Gazeta” de domingo, 15/11/2009

muro_berlim Operário transporta uma das mil peças de dominó expostas na comemoração dos 20 anos da queda do muro de Berlim. (Foto: AP) disponível em www.g1.com.br

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Dança do Marabaixo na Fortaleza de Sâo José de Macapá

Com o título “Muro da Pobreza”, em sua coluna de terça-feira, o jornalista Jara Dias comenta as comemorações dos vinte anos da queda do muro de Berlim, mas lamentando que ainda “falta derrubar o muro da tecnologia, o muro do meio ambiente e o muro racial”.

Sobre esse último, apesar dos avanços legais e das políticas de ações afirmativas, pouco se avista a possibilidade de o muro quebrar de vez. Na realidade trata-se de um muro de (in)consciência, pois todo o processo de transformação social que se pretende chegar em relação ao racismo e ao preconceito racial, do qual os afrodescendentes são as vitimais mais evidentes no Brasil, está em uma revolucionária mudança nos conceitos que os indivíduos usam. Mas por ser o conceito uma ideia sobre determinada coisa ou objeto, uma representação, uma avaliação, o preconceito, enquanto julgamento prévio e negativo se opera em nível ideológico por membros de grupos raciais de pertença. Ele inclui, segundo a pesquisadora Nilda Gomes, “a relação entre pessoas e grupos humanos. Inclui a concepção que o indivíduo tem de si mesmo e também dos outros” (Gomes:2005).

Ela cita Zilá Bernd, que por sua vez afirma que o “indivíduo preconceituoso é aquele que se fecha em determinada opinião, deixando de aceitar o outro lado dos fatos”. Este, de acordo com Zilá, têm “uma posição dogmática e sectária que impede aos indivíduos a necessária e permanente abertura ao conhecimento mais aprofundado da questão, o que poderia levá-los à reavaliação de suas posições”.

Talvez porque as pessoas lidem tão frequentemente com esses conceitos é que às vezes não percebem os seus significados. Enquanto categoria conceitual a discriminação racial, por exemplo, significa “distinguir”, “diferenciar”, “discernir”, daí que a discriminação pode ser considerada como a prática do racismo e a efetivação do preconceito. O racismo e o preconceito estão no âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das crenças, ao passo que a discriminação é a adoção de práticas que os efetivam ( Idem).

Aqui no Amapá, a Semana da Consciência Negra, a cada ano vem firmando seu propósito de conquistar espaços através de debates, palestras e ações voltadas para os afrodescendentes numa luta contínua e árdua. Não reconhecer isso é cair no rol dos pretensos “brancos”, inconformados com esses avanços. É, sim, a meu ver, um trabalho continuado que pode contribuir para que parte desse muro imoral do racismo e da intolerância se rompa. E que caia, assim num “efeito dominó”, como foi a representação simbólica das comemorações da queda do muro de Berlim.

A vasta programação contida no evento traz variedades de temas, mas todos voltados para a vertente da história e da identidade, o que é, diga-se bem, um campo minado e sujeito a sucessivas modificações e a outros olhares epistemológicos, pela própria subjetividade que as ciências humanas carregam em suas costas, e que a pós-modernidade se encarrega de interpretar.

Aprofundar-se no estudo dos problemas da negritude é condição básica para resolvê-los. Não sem antes não houver o propósito claro de buscar e fortalecer a identidade étnica, cultural, sexual e racial do povo afrodescendente daqui. A identidade sabe-se não é inata. Ela, além de ser um modo de relações sociais, indica traços culturais expressos através de práticas como as tradições populares, modo de se alimentar, linguagem e rituais, entre outras. Daí a importância desse conceito para o discurso contra o racismo.

Ainda que o muro do racismo para muitos pareça invisível, ele está presente no dia-a-dia. Está ativo no trabalho, no lazer e, principalmente na escola, onde em tese se poderia contê-lo, mas paradoxalmente é ali que ele começa. Ele é a negação da cidadania. Comecemos, pois, todos, a derrubar esse muro, por cima ou por baixo, mas desde que cada cidadão tenha consciência de que o que está fazendo é para um mundo melhor para a espécie humana.

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