Publicado no jornal “A Gazeta” de domingo, 22/11/2009
Quando dizia, e lá se vão mais de três décadas, que dançava marabaixo e batuque algumas pessoas sorriam zombeteiras, e diziam: “tu vais lá no meio dos pretos porque és estudante de sociologia”. E até hoje quando defendo a comunidade negra e a sua cultura, preciso de certo esforço para tentar mudar a cara conservadora e racista de muitas pessoas “esclarecidas”, que usam da ironia e da piada para expressar verdadeiramente o que pensam sobre etnia, educação e cultura.
Valorizo a cultura regional porque é dela que vivo. Defendo com garra a regionalização da nossa cultura porque fazendo isso creio multiplicar o seu fortalecimento contra as perniciosidades da globalização, além de estar cooperando para o direcionamento de uma educação formal com suas especificidades.
Sabe-se que a educação ainda é uma “carta de intenções” colada às constituições da maioria das nações, principalmente das nações pobres, nas quais os quadros administrativos são sempre repressivos e hostis. Nessas nações passam longe características da educação que entre outros pontos visam reconhecer e respeitar as diferenças no plano individual e combater os preconceitos, discriminações e os privilégios no plano social. Educar, dizem os educadores, é também levar cada cidadão à fé no seu próprio potencial como agente de transformação qualitativa da própria vida e do mundo onde está inserido. Mas em muitos lugares os alunos recebem “matéria” em vez de se enriquecerem com o conhecimento. A cultura é que enriquece a alma e nos faz crescer.
Educadores falam que a educação formal vive ainda nas amarras da herança positivista-funcionalista, pois a Escola nem sempre prepara o cidadão para a crítica. Na prática, dizem eles, ela introjeta uma concepção de mundo quase submissa, intimidada, que arrefece a sua identidade e historicidade. A Escola muitas vezes é moralista, autoritária, repressiva e opressiva. Cumpre seu papel de censor ao reprimir, punir e suprimir os sonhos e as buscas individuais e coletivas. Os professores se preocupam e se perguntam: ora, se a realidade formal é assim, como caracterizamos nossa prática didático-pedagógica se reafirmamos todo o tempo essa concepção de sociedade, de política? Pelo meu lado costumo dizer que cultura é tudo aquilo que gera emoção. Contudo pergunto: como gerar essa emoção, como sistematizar a cultura no contexto da educação formal? Penso que só quando a olharmos num processo de interação afetiva, agindo e interagindo na sociedade, pois como cidadãos temos que assumir, cada um de nós, essa missão transformadora, sendo espécies de co-autores de uma utopia mais que necessária
Mas os professores ainda se perguntam: como vou transformar tudo isso? Como vou avaliar um aluno somente sob o ponto de vista didático-pedagógico? É certo que outros processos virão para reparar essa temida prática de juízo de valor, nem sempre justa. Por isso é preciso fazer da educação um processo integrador das práticas culturais. Práticas essas que contemplem Políticas de Cultura, que estimulem a solidariedade e não vejam a cultura apenas como um bem de consumo. Políticas que incluam os excluídos, para que seja um processo de criação em todos os níveis a fim de promover os valores humanos e privilegiar o conceito de cidadania e de democracia.
Ainda bem que novas medidas interativas entre educação formal e cultura saíram recentemente do papel e deverão contemplar, no ensino fundamental, a história e a cultura daqueles que precisam fortalecer sua identidade. Penso que isso será bom para os educadores, para os produtores culturais, para os alunos e para a educação brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por emitir sua opinião.