domingo, 18 de julho de 2010

UMA VIAGEM ÀS ORIGENS

Publicado no jornal “A Gazeta” de domingo, 18/07/10

DSC07421 Canhão da Fortaleza Gurjão (Serra da Escama) – Óbidos-PA

DSC06974  Frente da cidade de Óbidos-PA, em julho/09 quando houve uma grande enchente.

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Aspecto da cidade de Óbidos-PADSC07009

Fernando Canto em frente ao Quartel Militar, onde hoje funciona a Secretaria Municipal de Cultura de Óbidos/PA.

Minha proveitosa viagem a Óbidos/PA, em julho do ano passado, serviu para despertar mais um pouco em mim o sentimento grande de pertencer à natureza amazônica. O lugar, belíssimo, caracterizado por uma arquitetura colonial ainda conservada, cheio de ladeiras e ruas calçadas com paralelepípedos, lembra as cidades setecentistas das Minas Gerais.

Mas isso não é tudo. A cidade fica à margem da parte mais estreita do maior rio do mundo, que faz com que seu leito estreito se aprofunde e a água corra com uma velocidade incrível. Ela tem uma topografia ondulada, cheia de colinas e serras. E nesta época do ano o povo ribeirinho local sofre com a enchente. No entanto, esse fenômeno da natureza se transforma em condição cultural perfeitamente contornável, já que é esperado. Às vezes ela chega grande, como uma colcha de água a cobrir lentamente a cama. Causa problemas no desembarque dos navios e lanchas, visto que o trapiche praticamente fica submerso e os passageiros são obrigados a descer em balsas de ferro, atravessar o centro do comércio e finalmente subir as ruas enladeiradas. Mas o comércio não pára e, mesmo com a cheia, a população fica abastecida de peixes.

Do alto de uma roda gigante pude observar a exuberância de uma cidade que cresce obrigatoriamente para o norte, em terras que um dia abrigarão novos aparatos urbanos e certamente pode vir a conurbar com o igarapé Curuçambá, se não houver Lei municipal que preserve sua vocação turística e ambiental.

Sua primeira vocação, aliás, como a das demais cidades coloniais da Amazônia portuguesa, era a de salvaguardar as terras do Reino e de evitar invasões estrangeiras. Tanto que ali há vários prédios militares que marcaram a história da cidade para sempre, como o Forte Pauxis, a Fortaleza Gurjão e o belo trabalho de arquitetura, o Quartel neocolonial, restaurado, que salvo engano completou 100 anos de fundação em 2009. O Forte Pauxis data do século XXVIII e fica em um ponto privilegiado e alto da cidade, parecendo um mirante. Sabe-se lá quantos não tombaram em sua construção e quantos soldados não estenderam seus olhos perscrutadores na vigília constante em busca do inimigo. O mesmo acontece com a Fortaleza Gurjão, um pouco mais nova, localizada no alto da Serra da Escama, aonde três enormes e pesados canhões de fabricação alemã, capazes de girar 180º, ali se encontram, silenciosos e semidestruídos. Quem quiser vê-los terá que atravessar o lago que circunda a montanha e subir por uma trilha estreita e difícil até chegar às casamatas, que também um dia abrigaram os soldados vigilantes, estes que talvez num esforço sobre-humano, aliados a uma tecnologia militar incipiente, plantaram as armas de guerra no local. O Quartel, no centro da cidade é um alívio para os olhos. Possui uma arquitetura que lembra os castelos mouriscos, com suas torres, portais e janelões. Nele está atualmente instalada a Secretaria Municipal de Cultura e a Biblioteca Pública. Além disso, podemos observar as construções religiosas como a Prelazia e a igreja de Santana, a padroeira do lugar.

Em julho chegam os estudantes e os exilados involuntários nascidos na cidade. Vêm devolver seus olhos à paisagem por gratidão, rever amigos e familiares e se envolver na festa da padroeira, em devoção constante. Somam-se a isso as manifestações culturais do período.

Apesar de haver completado nove anos de recusa voluntária a comer carne de caça, quelônios e afins, não resisti ao convite de provar, meio desconfiado, uma “mixira”, em plena Barraca da Santa. É uma espécie de conserva feita antigamente de carne de peixe-boi, com o próprio azeite do animal, mas hoje adaptada à carne de boi. Depois acabei comendo um “paxicá”, picadinho feito do fígado e carnes gordurosas do peito da tartaruga, preparados no casco do quelônio. Todos eles fazem parte da culinária milenar do indígena amazônico. Confesso que achei uma delícia.

Como visitante me senti feliz de poder ter observado as práticas culturais dessa gente tão hospitaleira e a beleza arquitetônica da cidade. Como obidense, que deixou sua terra natal aos sete anos de idade, me senti orgulhoso de poder compartilhar com meus parentes e novos amigos, toda a estrutura e a cultura do lugar. Despertei ainda mais para o compromisso e a responsabilidade de fazer parte deste mundo tão bonito, mas ainda cheio de coisas por fazer. Talvez por isso tenha experimentado uma mistura de sentimentos que me tornou mais humano e grato a todos que me permitiram essa aventura antropológica de volta às minhas origens.

Fotos de Alacid Canto

3 comentários:

  1. Estimado amigo Fernando Canto ou SV (cê sabe). Que surpresa agradabilíssima acessar seu blog e deparar-me com um belíssimo texto (novidade!) em tons nostálgicos e preocupações preservacionstas sobre a cidade de Óbidos. Não a conheço, mas sei de lá desde bem pequeno na medida em que minha mãe Maria Adelaide (a Dona Dedé) ali morou sob os cuidados de uma comadre de seus pais durante parte de sua adolescência. Foi de lá, que ela rumou para cá, quando a turma dos Marinho Santos Trindade por aqui já estavam devidamente acomodados. Desde os seis anos de idade ela me conta sobre sua estadia em Óbidos, de onde, inclusive, a princípio não queria sair, pois, afinal, ela não conhecia nada sobre a Macapá provinciana e bucólica do final dos anos 1950 - ela aportou aqui em 1958 e durante cinco décadas não mas saiu a não ser para o enterro do Tio José, o Assunção dos Cometas, Marinho para a gente e que você bem conhecia, em Belém. Nossa gênese bendita encontra-se estacionada em Abaetetuba (famosa 'Terra da Cachaça' nos tempos de outrora e, infelismente, atual terra do narcotráfico e da prostituição infanto-juvenil. Mais precisamente do Sítio do Piquiarana, no Itacuruçá, perto do ramal do Pontilhão, a meio caminho entre Abaeté e Igarapé-Miri(m). Contudo, sempre nutri uma estranha curiosidade por Óbidos.Um desejo explicável pela via umbilical e materna e pelo fato de ser historiador interessado pelo passado colonial de nossa região, sua historicidade, religiosidade, monumentos e partículas formadoras de nosso rico, denso, exótico e exuberante arcabouço sociocultural, sua cobertura vegetal e complexos paisagísticos. Soube pela minha Mãe e pelo Bi (conheces?!) que suas origens são obidenses e, acredite, acabei de ver pela primeira vez imagens desta terra - belíssima por sinal - tgraças ao seu blog e, evidentemente, qualquer semelhança com Abaetetuba e Macapá não é mera coincidência. São glebas de um mesmo 'quintal', filhas de uma mesma mãe, gentes de um mesmo clã e amantes de um mesmo senhor. As fortificações, o trapiche, o edifício do antigo quartel (hoje SECULT), a gente hospitaleira, a culinária pra lá de exótica e a enchnte prevista e esperada (tirada de letra como você bem disse pelo povo nativo) deram-me a impressão de já ter visto o filme. O Grão-Pará, quintal vizinho de nós separado pela geopolítica, tem uma imensidão de lugares parecidos. Adoro ouvir o mestre Nonato Leal falar da Vigia e meus sogros em Belém, lembrarem de Cametá (Velho Miguel) e Marapanin (Dona Branca Flor).Sabe de uma coisa,há 16 anos não vou em Abaeté, mas, no Círio nazareno vindouro darei um pulinho por lá pra abraçar a parentada. E, ano que vem, Se DEUS quiser, quero ir à Óbidos. Sério. Só tem um pequeno problema: não conheço ninguém por lá, logo não tenho onde pousar. Quem sabe algum amigo SV de lá possa me dar uma forcinha. Que tal? Que que tu achas? Hein? Um Grande e Forte Abraço!

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  2. Caro Fernando,
    Levei toda a minha familia para Óbidos, onde passei 05 dias inesquecíveis. Meu amigo! mandei uma dieta as cucuias, não estava nem vendo. A vida é bela quando nos proporciona momentos como estes. Revi meus tios, irmãos do meu saudoso pai, enfim de volta as origens. Voltei renovado, feliz e principalmente extasiado de doces lembranças e dos causos de amigos que já se foram e daqueles que lá labutam com gana e sobretudo deitam numa rede naquele calor sem qualquer remorso. Abraços, Nelson Adson Amaral

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  3. Prezado amigo Nelson Amaral,vc tem muita sorte de poder sempre ir aí nessa bela cidade de casas e prédios coloniais. Com essa paisagem qualquer um manda tudo pras cucuias. Abração do Fernando.

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