sexta-feira, 23 de julho de 2010

OITO ANOS SEM O LEO VILHENA

OLYMPUS DIGITAL CAMERA Esta crônica foi publicada no jornal “O Liberal Amapá”, logo após a morte do inesquecível amigo Leonardo de Almeida Vilhena, brutalmente assassinado em 22 de julho de 2002 em Brasília. Léo nasceu em Macapá em 06 de novembro de 1952. Era economista, professor, escritor (publicou dois livros de economia e contabilidade, os quais hoje ainda são referência de pesquisa na internet) e jornalista.

Faço questão de repeti-la aqui neste espaço, não só pela homenagem pessoal ao grande amigo, mas pelo esquecimento de pessoas que foram também suas amigas e, hoje, autoridades, não movem uma palha para dar ao Léo o seu lugar na história do nosso Estado, pelo que foi e pelo que merece, pela sua inquestionável contribuição técnica.

O TEXTO PREMIADO DO LÉO

Fernando Canto

Leonardo de Vilhena, amigo de infância e de adolescência era um exímio marchador dos desfiles do dia da Pátria. Puxava pelotão do GM como só ele. Era disciplinado e muito aplicado. Na escola, só tirava notas altas. Um grande futuro estava reservado para ele. Mesmo tímido Leonardo tinha um vasto círculo de amizades. Formou-se, à duras penas, como Bacharel em Economia e em Licenciatura em Geografia, em Belém. Trabalhou por anos com Planejamento no Governo do Amapá. Mestre em Orçamento Público pela Fundação Getúlio Vargas, tornou-se escritor e apaixonou-se pelo jornalismo. Começou novamente do zero: cursou Comunicação no Rio e foi lecionar jornalismo na UNB, onde ficou até este ano, quando viria para a UFPa.

Leonardo, o Léo, apesar de ter convivido com as tragédias de amigos, era um homem feliz. E mais feliz ficou quando ganhou o prêmio de Melhor Entrevista promovido pela Revista Imprensa, em julho de 1991. Léo publicou na Gazeta Mercantil o texto “Um Roxo não Presidenciável”, que transcreverei abaixo. Na sua dedicatória, falava que o texto era seu “primeiro prêmio jornalístico nacional”.

Da amizade das praças do Laguinho, por onde sonhamos o futuro do nosso povo, às farras no bairro do Trem, para onde se mudou com a família, até ao Rio de Janeiro e Brasília, onde nos encontramos por muitas vezes, ficou a marca eterna da admiração pelo Léo, um jornalista de talento que foi brutalmente arrebatado deste mundo, dez anos após o seu primeiro prêmio jornalístico. É inesquecível a frase que dizia à sua irmã Gracinha, quando chegávamos, a turma toda, para visitá-lo: “ - Mana, o pessoal do Laguinho tá aí”. Eis, então, o texto premiado de Leonardo Vilhena:

“UM ROXO NÃO PRESIDENCIÁVEL Já passou pela sua cabeça que existem também outras pessoas com “aquilo roxo” e que sempre vão estar no anonimato? Pois é, Severino Alves dos Santos, igualmente alagoano, garante que a cor de sua virilidade é a mesma de seu famoso conterrâneo. Só que diz isso de uma maneira diferente. Severino é poeta de literatura de cordel e assegura: “Também tenho aquilo roxo / Mas famoso não vou ficar / O meu roxo é mais humilde / Eu sei bem do meu lugar/”. Nascido há 45 anos no município de Olivença, em Alagoas, “terra dos chegantes, dos passantes, dos retirantes e dos poucos edificantes”, Severino, aos 10 anos, já estava no Rio de Janeiro, na luta pela sobrevivência. Casado com a prima Maria das Dores, 7 filhos, morando no bairro de Santíssimo, zona oeste, ex-pedreiro de construção civil, atualmente é ascensorista do Edifício França na Av. Presidente Vargas. Simpático, comunicativo, envolvente, Severino è aquele tipo “figura” que as pessoas costumam dizer: “Se você não existisse teria que ser inventado”. Para Márcio Batista, estagiário de um escritório de engenharia no 8º andar do Edifício França, o ascensorista é a sabedoria personificada. “O Sevé é meu amigão. Quando estou com problemas ele me dá conselhos muito úteis”, afirma. São conselhos, receitas, simpatias, orações, sugestões, horóscopos, opiniões meteorológicas, palavras de apoio e carinho. Enfim, o conselheiro-mor do prédio. Cláudia de Almeida, secretária no 11º, lembra que num determinado dia de verão, às duas da tarde, elevado lotado, todos calados, mal humorados, pingandos de suor. Severino arrisca: “É uma frente fria que veio lá do Ceará”. Gargalhada geral.

Apesar de ter apenas o primário incompleto, Severino se expressa com desenvoltura e com um vocabulário de fazer inveja a muito letrado. Um detalhe: é leitor assíduo da Gazeta Mercantil e discute finanças como ninguém. Cristina Toledo, economista de uma financeira no 10º andar, adora discutir novas medidas econômicas com Sevé e não lhe poupa elogios. “Ele tem um senso crítico muito apurado, é inteligente, perspicaz e de um poder de síntese impressionante”, afirma com carinho. Ainda sobre economia, Severino é fã ardoroso da ex-ministra Zélia. Admirava a personalidade forte e a coragem com que enfrentava os grandes cartéis, que segundo ele, ainda são os responsáveis pelo caos na economia brasileira. E no sobe e desce do elevador improvisa ao novo ministro: “Ministro Marcílio, eu lhe peço / Acabe logo com a inflação / O povo não agüenta mais / De tanta judiação / Vamos acabar morrendo / Todos de inanição”.

Os versos do poeta também têm seu lado erótico – quase pornô – que se manifesta às sextas-feiras, durante os chopinhos após o expediente. Aí a inspiração libidinosa vem à tona. Para aquela moça bonita que vai passando, Sevé ensaia: “Menina casa comigo / Que não morre de fome / Lá em casa tem uma pinta / Nós dois mata e nós dois come / De dia tu come a pinta / De noite o pinto te come”. A erotização aumenta na mesma proporção dos chopps tomados. Os bons companheiros das “saideiras” garantem que alguns versos são verdadeiras obras primas e que mereciam constar de uma antologia de poesia erótica. Ninguém duvida.

Mas Sevé não é nenhum Don Juan. É notória a fama de Das Dores que, discretamente, o mantém sob suas rédeas. Aliás, Severino faz questão de ressaltar que a fidelidade conjugal é uma de suas qualidades. “A patroa é a minha cara-metade, me completa em todos os sentidos”, garante.

Voltando à cor ora em moda, Severino acha que se fosse ele que saísse por ai dizendo que tem “aquilo roxo”, seguramente iria ser chamado de vulgar, grosseiro, Paraíba e assim por diante. Mas como foi “Ele” que falou, a coisa virou modismo e qualquer dia vai ser tema de mini-série na Globo. Meio magoado, de brincadeirinha avisa: “Vou deixar de ser poeta / Não vale a pena não / Se o “Homem” pode tudo / E vai pra televisão / Os meus versos so servem / Para fazer figuração / Tudo está me deixando / Sem nenhuma inspiração”.

Um “figuraço”, sem dúvida! (Leonardo de Vilhena).”

Foto do acervo pessoal de Olivar Cunha

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