segunda-feira, 9 de novembro de 2009

É BIG! É BIG!

Parabéns à Juliele que aniversaria hoje. Em sua homenagem republico o texto que escrevi quando lançou seu primeiro CD.

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JULIELE E A FLORESTA REVELADA

Publicado no Jornal do Dia, de 25.11.2007

DSC_7466 Quem teve o privilégio de ouvir o CD da cantora amapaense Juliele deve ter ficado impressionado com o timbre o e meneio de sua voz – um trinado ousado e penetrante, espécie de desafiador da alma e dos sentimentos - que se movimenta avoante como notas-andorinhas, para depois pousar num pentagrama feito de cipós na contraluz do entardecer.

O rico repertório de suas canções parece mais decifrar o mistério insondável da floresta quando seu doce canto substitui paulatinamente o coro dos pássaros e o eco dos seres invisíveis, estranhamente presentes em toda a obra. A voz crescente da intérprete traz a galope alternâncias e valores sensíveis como um pêndulo que oscila entre o espaço e o tempo, e entre um nascimento e um tempo de encantados em marcha para a cidade. A seqüência, coisa notada por poucos num CD, é esse pêndulo harmônico a se balançar em enigmas astrais, insofismáveis e verdadeiros por serem sortilégios incrustados em cada uma das composições.

Compreender o gênio deste trabalho é uma tarefa que cabe a nós. Afinal o Brasil terá tempo para eviscerar o ouriço da castanha, colocá-lo no ouvido e escutar os banzeiros que o rastro musical de Juliele deixa nesse navegar constante e misterioso. O sentido da Amazônia exposto nas canções afora e por dentro da vida local se rasga impoluto, em marés mundiantes e envolventes, num tempo de arrebentações, de ondas bravas, assim como um macaréu de lua cheia a estrondar forte sobre as margens alarmadas de medo, ensopadas de quebrantos.

Cabe a nós entender que as notas vocais de Juliele sintetizam a região e os seus problemas mais abrangentes; que o esforço, a disciplina, o risco e a sua simplicidade nada escravizam ou tiranizam; e que além da dignidade e do merecimento do seu talento e do seu trabalho, direcionados para o alvo de um planeta melhor e mais humano, nós temos que reconhecer a evolução dessa produção inquestionável.

O CD é ainda um rio oculto entre montanhas a correr incontido ao oceano e a subir determinado aos Andes. Mas faz a sua viagem de estréia por difíceis obstáculos inerentes ao nosso tempo, como um céu de chuva de granizo, um chão de terremoto, águas turvas e densos cipoais que se alastram em fogo-fátuo pela planície em chamas. Mais que isso, porém, está a condição irrefutável da contemporaneidade do capital, da concorrência do mercado e de outras chaves da globalização imperiosa, a nos olharem de soslaio e mil vezes mil vetarem nossos talentos.

Pelas recorrências contidas nas letras das músicas, o conjunto do trabalho não poderia ser mais brasileiro, embora tenha a preocupação regional avistada como imprescindível nesse batismo acima referendado: a ablução constante pelas marés oceânicas, pelos rios, cachoeiras e igarapés que trazem à tona a identidade amazônica desse canto, dessa voz que produz e se acrescenta de luz. Afinal penetrar nesse CD é sacralizar-se e profanar-se ao mesmo tempo.

O amor, a água em suas formas mais diversas, a terra, a fé e as iridiscências das constelações, incluem-se indispensáveis no repertório do CD. Agora o que era subjacente emerge e seduz calcinando e abrasando presságios, para adiante se tornar manancial de amor, como argila exposta para mãos estetas modelarem o sonho. É a meu ver a floresta nua e revelada em seu potencial, do subsolo ao cume mais alto, pela voz firme e essencial de Juliele.

Um comentário:

  1. Nossa , eu não havia lido o texto quando do lançamento, e agora só assino embaixo, Juliele e sua arte de cantar e encantar é isso mesmo, é tudo de bom!

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