A 6º Conferência Legislativa sobre Liberdade de Expressão, realizada na terça-feira passada (23) na Câmara dos Deputados, debateu formas de combater a censura judicial aos meios de comunicação e as ameaças à livre circulação de informação na internet.
O evento promovido pelo Instituto Palavra Aberta teve a participação de jornalistas, deputados, integrantes do governo federal e representantes de veículos de comunicação.
No primeiro painel do debate, “Avanços e desafios da liberdade de expressão”, o jornalista e professor da USP/ESPM Eugênio Bucci falou sobre a censura imposta ao jornal O Estado de São Paulo, que já dura dois anos. Ele ponderou que a liberdade de imprensa teve avanços no país, mas que nunca deixou de estar na ordem do dia. “"E não é apenas um, mas foram dezenas os veículos jornalísticos que sofreram consequências dessa nova modalidade de censura (judicial). E essas ações, que resultam em censura judicial, quase sempre decorrem da demanda de políticos ou de parentes de políticos. “São os de cima que, contrariados, demandam a censura, e muitas vezes, vociferam contra a imprensa, arrancam microfones das mãos de jornalistas, amaldiçoam a imprensa”, afirmou Bucci.
O diretor de conteúdo do jornal O Estado de SP, Ricardo Gandour, criticou qualquer medida de restrição à liberdade de expressão. "[Algumas] manifestações vão no sentido de que um pouquinho de censura talvez proteja certos setores da sociedade. Esse raciocínio é perigosíssimo. Se um pouquinho de censura pode vir a ser benéfico, a primeira pergunta que surge é: quem determina a dose? E qual é o limite desse pouco? E por que não um pouquinho de mentira? De tortura?", complementou. "No início do processo (que impede o jornal de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica), nós discutimos muito na Redação se era mesmo censura prévia ou se estávamos ali chateando os leitores com uma questão só nossa. Logo veio a conclusão de que se tratava mesmo de censura e essa forma de coerção não poderia ser tolerada”, disse o diretor.
Na avaliação de Gandour, o caso da censura ao Estado levantou o antagonismo do interesse público entre o juiz e o repórter. O repórter trabalha tentando antecipar a notícia na temperatura jornalística; o juiz tem seu ofício e seu método a posteriori. "Não pode dizer: ‘Eu te proíbo, em nome da lei, de editar o que eu estou imaginando que você vai editar’. É coerção. O único porto seguro é a liberdade plena."
Sigilos
Eugênio Bucci ainda defendeu que as autoridades ajudem a proteger a liberdade de imprensa e não interfiram na mediação do debate público. “A liberdade não é um conforto, mas um feitio do jornalista. Quem tem direito a uma imprensa livre é a sociedade”, complementou.
Durante a discussão, foram abordadas as duas formas de sigilo muitas vezes impostas pela Justiça. De acordo com Bucci, o trabalho dos jornalistas é essencial à sociedade porque os profissionais têm independência. "A imprensa só é essencial à sociedade justamente porque, não sendo governada pelos poderes do Estado, pode se empenhar com independência em descobrir os segredos que interessam ao cidadão. Logo, não há sentido querer impor à imprensa alguma forma de controle para que ela seja obrigada a preservar sigilos que não são dela", disse.
O professor disse ainda que não se pode punir jornalistas por terem divulgado informações ditas como “segredo de Estado”, por exemplo. “A imprensa não pode ser condenada a se dobrar a sigilos que não são dela. São da Justiça, do governo. Afinal, o que é a notícia se não um segredo revelado?”, indagou. “A função de guardar os segredos oficiais é das autoridades encarregadas, e não dos repórteres. Esses tem o dever público de tentar desvendá-los e, por meios lícitos, avaliar a pertinência de publicá-los”, acrescentou.
Valor da liberdade
Um dos participantes da discussão, o jornalista da Folha de São Paulo Fernando Rodrigues, disse que faltam no país a cultura e o valor da liberdade de expressão. "É muito difícil para todos nós imaginarmos que, algum dia, haverá na sociedade brasileira, num curto período, manifestações de massa a favor da liberdade de expressão. (...) Esse valor não existe", afirmou Rodrigues.
A necessidade de se garantir, em lei, o direito de acesso às informações públicas foi defendida por Rodrigues. "Quando um governante decide, por vontade própria, fornecer algumas informações, isso é muito bom. Mas o próximo que for eleito pode decidir que isso não seja mais necessário. É muito importante que exista uma lei aprovada que garanta isso de maneira perene a todos os brasileiros."
Na era da internet
No segundo painel da conferência, "Desafios da liberdade de expressão na era da internet” o ex-deputado federal e jornalista Fernando Gabeira fez um paralelo com décadas passadas. "O trote era exatamente o que se faz hoje na internet. A gente jamais admitiu a possibilidade de entrar com censura sobre o telefone", justificando sua posição pela ampla liberdade na rede.
Para a deputada Manuela D'Ávila (PCdoB-RS), é necessário que o Estado propicie essa liberdade. “Se esse Estado pode tornar seus dados transparentes, é garantidor da liberdade. Se passa a querer regular a nós todos na internet, em nome de crimes como pedofilia, se o Estado diz que é atrapalhado pelo excesso de informação e tecnologia, [ele] também atrapalha.”
Censura a filmes
O debate na Câmara também abordou a censura aos filmes "Je vous Salue, Marie", de Jean-Luc Godard, e o contemporâneo "A Serbian Film - Terror sem limites", que inclui cenas de pedofilia e necrofilia. Ambos sofreram restrição de divulgação.
"A ideia de que o Poder público pode conceder ou negar permissão para que alguém manifeste sua arte ou seu pensamento é até hoje aceita entre nós, ainda que com mal entendidos, ainda que zonas de sombra persistam, ela ainda é aceita", criticou Bucci.
Valor fundamental
A presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, citou avanços recentes no país em busca da garantia da liberdade de expressão. Entre eles, o Programa Permanente de Autorregulamentação criado pela Associação Nacional de Jornais. A iniciativa indica boas práticas que podem ser seguidas pelos associados e implementação em suas empresas. “É preciso estar sempre vigilantes para que os princípios fundamentais essenciais para o exercício da democracia não sofram retrocesso”, disse.
O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), disse que a liberdade é um valor fundamental que reafirma a democracia do país. “A liberdade de expressão é superior a qualquer benefício que o cidadão possa ter na sua história. É uma pérola, uma riqueza que conquistamos e não podemos entregar a ninguém.”
Para a secretária de Comunicação Integrada da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Yole Mendonça, o tema liberdade de expressão é mesmo um dos pilares da democracia. “A liberdade de expressão é um dos temas exercidos diariamente no cotidiano do nosso trabalho. A chegada de novas mídias e o poder da internet, que nos surpreende a cada dia e que vem mudando o mundo, trazem reflexões importantes que não vão ser respondidas de imediato”, ressaltou.
A Câmara dos Deputados, por sua vez, já aprovou proposta de lei que cria regras para garantir a liberação de todas as informações sobre os atos dos poderes públicos (PL 219/03), O projeto está sendo debatido no Senado.
O Seminário teve o apoio da Abert, ANJ, Abap, Aner e ESPM. (Fonte: Assessoria de Comunicação da Abert com informações da Agência Brasil)
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