sexta-feira, 30 de setembro de 2011

AFUÁ – DO SUSPIRO DO BOTO AO LAGOSTÃO

22062009_capa_b1    Texto de Hélio Pennafort

"Este lugar se chama Afuá desde o tempo em que os circunspectos cavalheiros faziam piqueniques de paletó, gravata e suspensórios nas praias do Marajó. Parece que o nome é indígena, mas não sei o significado”. Intercalando suas palavras com goles de cerveja gelada, Dalk Dias Salomão, presidente da Câmara de Vereadores, diz que vive muito feliz em Afuá” “porque é um lugar pacato, farto e muito divertido”. A origem do nome Afuá é bastante discutida entre os velhos da localidade. Enquanto Dalk atribui influências indígenas para a designação da cidade, dona Maria Pinheiro Cavalcante vai buscar nas profundezes do rio um boto matreiro que todas as tardes boiava na frente de umas poucas casas que existiam na época e suspirava: "afffffuuuuuuáááá". Dona Maria Pinheiro, 60 anos, conta que gastou toda a sua juventude nos seringais das ilhas. Naquele tempo a borracha era vendida a três mil réis para o patrão. E o pagamento não vinha em papel-moeda, mas em farinha, arroz, querosene e fósforo. Ela garante que os tempos mudaram. Visivelmente saudosa, recorda as noites que passava na expectativa de um encontro com o namorado. O primeiro e único. "Prá mim falar com ele tinha que andar muito porque ele não vinha em casa. Papai não deixava. Para o senhor ver, só depois de casada é que eu vim conhecer o que era um beijo. Hoje em dia é diferente... qualquer pirralha anda de beijos e abraços como se fosse a coisa mais natural do mundo".

Alcançamos Afuá consumindo seis horas de viagem, desde Macapá, no iate "Semeador", de propriedade paróquia, mas que muitos fiéis afirmam pertencer à santa padroeira. Depois de passarmos pelo furo dos Porcos e atravessarmos a baía Vieira Grande, enxergamos a cidade cercada de serrarias e outras pequenas indústrias em torno da qual gira a economia local. Muito embora as dificuldades decorrentes da pouca consistência do terreno, a cidade é bem traçada e sobre os caminhos onde passariam ruas foram construídas pontes em madeira de lei. Isso facilita o trânsito dos pedestres (é claro que lá não existe carro) e proporciona ao visitante uma visão pitoresca da comunidade, sobretudo na parte de trás. As casas residenciais são amplas, confortáveis e quase todas construídas dentro de um padrão que obedece a ecologia marajoara. As poucas construções em alvenaria devem ter custado muito dinheiro, porque todo o material, da areia ao cimento, foi transportado de Macapá. O município é farto. Pode-se dizer que o afuaense não tem qualquer problema com alimentação. O mercado da cidade vive sempre suprido de carne, peixe, camarão e até a saborosíssima lagosta da água doce. É o único também que dispõe de um sino para assinalar as horas. De acordo com a tabela, o quilo do camarão custa dois cruzeiros. Mas tem dias que aparece tanto que passa a ser vendido a 50 centavos. Uma indústria de palmito exporta milhares de lata do apreciado broto do açaizeiro e colabora com a sua parte na devastação da floresta marajoara. O gerente afirma que fazem o reflorestamento das áreas exploradas. Poucos acreditam. O comércio é sortido com mercadorias vindas de Belém. Tem de tudo o que se possa pretender num lugar como o Afuá. A dificuldade que ele enfrenta é a falta de transportes regulares para a capital paraense.

O Juiz de Direito da Comarca de Afuá, Florêncio Nabor Leite, disse ao repórter que os processos judiciais são quase todos para resolver questões de terras. Os demais "são casos de homicídios e seduções provenientes das festas do interior". Bastante comunicativo, o magistrado participa ativamente das promoções sociais da cidade, frequentando as festinhas, batizados e casamentos. Já o padre José Dejuana, espanhol, Agostiniano, é mais calado. Disse que atende as paróquias de Afuá, Chaves e Anajás, onde 95 por cento da população é católica praticamente.

A igreja foi construída com a colaboração dos fiéis e as festas em louvor à Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade, são bastante concorridas. O salão paroquial possui diversos tipos, de entretenimentos para jovens e adolescentes. Lá funciona também o jardim da infância.

O trabalho de pastoral é auxiliado pelo padre Graciano. Este deixa muita gente invocada, principalmente os velhos, devido a sua bem cuidada cabeleira. Entretanto, é muito sério e compenetrado na sua missão de pastor. A prova disso nos foi dada a bordo do "Semeador", no retorno para Macapá: observando que o Eduardo demonstrava as mais inequívocas intenções amorosas, tratou de acender uma lâmpada de 200 velas para afastar do nosso companheiro de viagem a mais tênue sombra do pecado.

Os garotos do Afuá são muito inteligentes. Lamentável, porém, que essa inteligência seja pouco desenvolvida devido a falta de instrução adequada para as crianças. O grupo escolar "Leopoldina Guerreiro" possui 332 alunos, 12 professores e 48 carteiras a prédio está carecendo urgentemente de reparos. A professora. Margarida Silva Seixas já enviou diversos expedientes à Secretaria de Educação sem conseguir nada de positivo até agora. O afuaense também aspira por um ginásio "para evitar a sarda dos jovens concluintes do primário".

O povo é amante do folclore e cuida com carinho das suas tradições. Para as representações teatrais, bailes ou qualquer outro acontecimento social, foi construído um centro folclórico na Rua Mariano Cândido de Almeida. O "Lagostão" foi idealizado e realizado pelo Sr. Orlando Saraiva um afuaense modesto e muito brincalhão. Esta sua obra 'foi tão comentada que veio um engenheiro de Macapá copiá-la como modelo para o centro folclórico do bairro do Laguinho. Dia 29, assistimos no "Lagostão" a apresentação do boi-bumbá "Pai do Campo". Alegre e movimentado, Pai do Campo faz jus ao adjetivo que recebeu dos versos cantados por seus aguerridos vaqueiros: "boi de fama como este/ no Pará não há igual".

O prefeito Dinair Santana - administrando o Afuá no segundo mandato -, disse ao repórter que em linhas gerais "o município vai bem". Mas poderia estar melhor se o governo estadual ajudasse um pouco mais o interior marajoara que se debate com uma série de problemas impossíveis de se revelar com os limitados recursos orçamentários consignados ou arrecadados anualmente. (Do livro Entrevista ao Leitor, DIO, Macapá, 1982)

Um comentário:

Obrigado por emitir sua opinião.