sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Galeria de Arte Nazaré Trindade

Preleção de Fernando Canto para a inauguração da Galeria de Arte Nazaré Trindade, da Fortaleza de São José de Macapá no dia 19.09.11

Senhoras e senhores,

    Muito me honrou o convite para vir aqui falar a respeito de MARIA DE NAZARÉ CASTRO TRINDADE DE ASSIS, nome agora perene de uma galeria de Arte dentro do maior monumento militar colonial do Brasil: a Fortaleza de São José de Macapá.

Mas antes de falar sobre seus predicados artísticos e educacionais, gostaria de me reportar à sua indiscutível generosidade enquanto pessoa, um dom de poucos, diria, pois Nazaré era isso: uma pessoa generosa nos seus atos, leal e nobre, pródiga de ser. Era uma pessoal “ternural”, como dizia seu marido, o saudoso jornalista Ezequias Ribeiro de Assis.

Lembro que o casal abria a porta de sua casa aos amigos todos os sábados para uma festa que durava horas e onde não faltavam convidados como Nonato Leal, Sebastião Mont’Alverne, Aimorezinho Batista, Amilar Brenha, Rui Lima, Manoel Sobral e tantos outros artistas, além de políticos e intelectuais. As pessoas se reuniam em torno do casal para falar dos últimos acontecimentos e dos novos trabalhos que realizavam no então Território Federal do Amapá. Nessa época Ezequias Assis era o proprietário do extinto jornal Fronteira, talvez o semanário mais respeitável da época.

Nesses dias ali estava Nazaré Trindade, esposa e mãe dedicada, mas uma anfitriã de primeira grandeza, sempre com um sorriso no rosto e a mão amiga, até perdoando a entrada de convidados de convidados para essas reuniões artísticas quase fechadas em sua casa.

Nazaré morava na mesma rua que eu no bairro do Laguinho. Sua beleza e simpatia caracterizavam aquela moça alta que conhecia todo mundo na vizinhança, na igreja e nas escolas da comunidade laguinense. E antes de ser a professora Nazaré que todos conhecemos, foi poeta, radialista (redatora de radiojornalismo, repórter e locutora) e atriz de rádionovela na extinta Rádio Educadora São José de Macapá, onde se tornou conhecida por apresentar os programas “Gente Pra Frente” e “O Samba é Bom Assim”. Em seguida exerceu o cargo de redatora e repórter na Assessoria de Imprensa do Governo Territorial e trabalhou na Rádio Difusora de Macapá como apresentadora de programas famosos na época como “A Hora do Ângelus”, “O Melhor do Som”, tendo ainda integrado a equipe de apresentadores do tradicional programa de aniversários “Carnet Social”. Na RDM fez parte do “cast” de radioteatro da emissora, participando do elenco da radionovela “Das Pedras nascem Flores”.

Ao sair do Governo do Território, a pedido, foi admitida por concurso no SESC-AP, onde exerceu diversos cargos, inclusive o de Gerente de Bem Estar Social, organizando e coordenando inúmeras atividades, nas áreas da música, teatro, artes plásticas, folclore, feira de livros, festivais de música, jornalismo, literatura, administração e lazer .  Depois de trabalhar por 11 anos no SESC, se demitiu, a pedido, pois fora aprovada em concurso como professora de 2º Grau do Estado, no qual atuou em diversas escolas tradicionais da capital. Nazaré era licenciada plena em Educação Artística (hoje Artes Visuais) e pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior pela UNIFAP.

E foi na UNIFAP que a professora Nazaré Trindade realizou intensamente sua docência. Lecionou as disciplinas Folclore Brasileiro, História da Arte II, Arte Aplicada à Educação I e II, Formas de Expressão e Comunicação Artística (Artes Cênicas) e Metodologia da Educação Artística, tendo sido presidente do colegiado do seu curso. Realizou pesquisas importantes para a arte local como: “O Artesanato Reaproveitador de Matérias-Primas Regionais Como Fator de Geração de Renda”, “O Batuque no Amapá”, “Arte Contemporânea do Amapá: Os Três Primeiros Salões de Artes Plásticas no Amapá, Um Panorama da Atualidade”, “Arte-Educação – Um Estudo sobre o Teatro na Escola e Sua Importância na Formação Estética da Criança” (TCC de Licenciatura Curta) e “O Teatro na Educação – O Jogo Dramático” (TCC da Licenciatura Plena). Infelizmente nenhuma de suas pesquisas foi publicada.     A Professora Nazaré Trindade publicou incontáveis artigos e poesias nos meios de comunicação locais e atuou profissionalmente como membro do Conselho Estadual de Cultura, Diretora da Escola de Artes Cândido Portinari e Chefe do Departamento Cultural e Histórico da FUNDECAP.

Para finalizar, gostaria de enfatizar meu contentamento pela lembrança da querida amiga Nazaré Trindade para o nome desta galeria de Arte, ato administrativo este que posso considerar muito justo pelo fato da homenageada ter realmente concorrido para o engrandecimento da arte amapaense. Nazaré era assim: eclética, curiosa, questionadora, valorizadora do trabalho feminino ao extremo, inquieta e suas experimentações profissionais, ousada e, sobretudo, ética na sua prática e na sua ideia de mundo.

Em seu poema “Recado”, composto em homenagem ao bairro do Laguinho, onde nasceu, Nazaré Trindade assim diz: “Faz-me um favor:/ quando voltares ao bairro/ que quando criança/ joguei bola, joguei peteca/ e pisei descalço,/ leva um recado/ ao companheiro que foi meu [...] Diz a ele que cresci/ que aprendi outras músicas/ outras brincadeiras [...].

Diz também

Que mesmo com tanta coisa adulta
Ainda tenho muito de criança
No chorar...
No sorrir
E continuo a cantarolar
O atirei o pau no gato
Com os moleques lá de casa.
Que lembro de tudo
Até mesmo de nossa sinceridade

Diz a ele que me escreva
Que me mande um bilhete
Dizendo se cresceu
Se é gente grande como eu
Se sabe tudo que eu sei
Se conhece a tristeza
Ou se sabe o que é a saudade
Como eu.

    O que essa macapaense nascida em 13 de julho de 1950, que faleceu após luta obstinada com uma doença crônica no dia 28 de maio de 2003 nos deixou, foi a certeza que nunca seria esquecida pelos seus contemporâneos. Seu legado se materializou em um trabalho profícuo, inaugurado pelo pleno amor que sentia por esta terra, amor carregado de perfume, que permanece ainda sobre as águas do Amazonas e que cruza as ruas e penetra as janelas das casas, conduzido pela graça do vento equatorial, nestes dias de equinócio da primavera.

MUITO OBRIGADO.

Galeria de Arte Nazaré Trindade.

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