Se você nunca viu flores cativas num jardim, eu já vi. É um jardim triste onde as plantas vivem dentro de uma grade de ferro pintada de branco. O branco, segundo o Feng Shui, usado em demasia, deixa a sensação de infinito, frieza, vazio e hostilidade. E assim eu vi aquelas grades oprimindo flores vermelhas, hostis para com elas, frias para mim, que caminhava assobiando sob o sol de Macapá num dia qualquer da semana. Um paradoxo, pensei, aquela história absurda em pleno bairro do Laguinho, onde experimentei tantas angústias e poetizei o voo dos periquitos que enfeitavam as tardes de minha infância, esverdeando o caminho traçado nos céus. Um paradoxo duro de roer, pois como alguém poderia prender flores, torturá-las em um jardim e mesmo assim regá-las para que vivessem. Isso mesmo. Passei outro dia lá e as flores medravam e viçavam dentro da prisão, mas não podiam passar da grade de ferro branca.
Não sei qual crime cometeram nem por quem foram condenadas a essa cruel pena. Talvez fosse por um motivo muito particular, desses que a gente procura entender, mas não entende. Coisas da natureza humana que só compreendemos quando vivemos um fato semelhante e o avaliamos no nosso limite de compreensão.
Julguei que aquele ato poderia ser uma forma de chamar a atenção de quem passasse, assim como eu, porque homem que sou, julgo. Tenho ideias sobre as coisas e faço juízo de valor criticando o que avisto para me posicionar ideologicamente no tempo. E no espaço a que pertenço sou julgado também, como as coisas, cotidianamente. Depois achei que prenderam as flores para protegê-las da fúria ensandecida de pessoas que destroem o que veem, dos iconoclastas e vândalos que não podem ver nada bonito sem destruir ou mutilar. Ora, tantas vezes vi madames descendo de seus carros para arrancar e levar das praças pés de plantas ornamentais e flores carinhosamente plantadas pelos jardineiros municipais.
As flores são admiradas vivas e mortas. Sua efemeridade exorta a condição da duração da vida e dos prazeres; representa a instabilidade essencial da criatura em perpétua evolução, por ser também, símbolo do caráter fugidio da beleza. O simbolismo floral é vasto. São João da Cruz faz da flor a imagem das virtudes da alma, e do ramalhete que as reúne a imagem da perfeição espiritual. A flor também é o símbolo do amor e da harmonia que caracterizam a natureza primordial e identifica-se ao simbolismo da infância. Na arte japonesa, a ikebana (arranjo de flores) comporta um simbolismo muito específico. A flor é considerada como um modelo de desenvolvimento da manifestação, da arte espontânea, sem artifícios e, no entanto, perfeita; como também o emblema do ciclo vegetal – resumo de seu caráter efêmero. O arranjo das flores efetua-se conforme um esquema ternário: o galho superior é o do Céu, o galho médio, o do Homem, e o galho inferior, o da Terra. São infinitos os usos alegóricos das flores. Eles estão nos atributos da primavera, da virtude, da aurora, da retórica e da juventude. Seus perfumes e suas cores mais diversos contam, em toda parte, histórias e mitos relacionados à figura-arquétipo da alma.
Não obstante todos esses significados, as flores continuam na grade daquele jardim. Serão elas cativas como na primeira impressão? Ou estarão protegidas para que suas vidas efêmeras sejam prolongadas? Elas estão presas, sim. E eu creio que nada representam se não podem ser vistas na plenitude de sua beleza. Ao opressor das flores cabe apenas a função de ser um eterno carcereiro que se condenou a si mesmo por esconder aos olhos do mundo a poesia.
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