Este foi o primeiro texto que escrevi para "A Gazeta", em dezembro de 2008.
Republico para homenagear Jorge Herberth, companheiro de muitas jornadas.
A metade dos anos 80 trazia a grande expectativa de mudanças no caminho político do Brasil. Após a anistia de 1979 restava ainda o término do Governo Figueiredo e a transição democrática que se estabeleceria com a eleição de Tancredo e a posse de Sarney.
No Amapá tudo isso era motivo de conversa e os jornais emitiam opiniões bem diversificadas sobre o destino de nossa terra, causando certo frisson entre os leitores. E com a possibilidade de transformação em estado o antigo Território Federal cedeu espaço a centenas de aproveitadores políticos que para cá vieram em busca de uma vaga no parlamento. Foi nesse contexto que ressurgiu o Amapá Estado, fundado por Haroldo Franco, Silas e Ezequias Assis. Esse jornal havia sido editado pela primeira vez durante o governo de Henning, que segundo eles, quando leu o primeiro número o amassou e jogou fora dizendo que a pretensão dos jornalistas não passava de um engano,de uma utopia. Foi, também, nesse contexto que posteriormente foi lançado o jornal Fronteira, onde trabalhei com uma coluna informativa, ao lado de grandes expressões do jornalismo local como Alcy Araújo, Luís Melo, Jorge Herberth e Wilson Sena, por sinal o primeiro presidente da Associação dos Jornalistas do Amapá. Antes disso o Silas fechou o Amapá Estado e foi se estabelecer em Belém com um jornal maior.
Mas os grandes assuntos da pauta semanal do Fronteira eram discutidos na casa do Ezequias. Todos os sábados ele nos recebia com aquele jeito brincalhão, mostrando um exemplar que o Ricardo, seu filho, pegava no aeroporto (naquela época era impresso em Belém.) e não economizava o orgulho de ver editado mais um número. E o que era para ser apenas informação virava celebração, pois nunca faltava uma boa dose do melhor uísque, uma carne de caça que o Baleia fornecia para o dono da casa desde que ele fora chefe de Gabinete da Secretaria de Obras e a viola do Nonato Leal, às vezes em duo com a do Sebastião Mont'Alverne. Ao lado disso, apreciadores da boa música, como o Alcy, se deleitavam ouvindo o Humberto Moreira interpretar Taiguara. Artistas e intelectuais chegavam como se estivessem ligados a uma rede invisível e automática, num tempo em que não havia celulares. Aimorezinho era um espetáculo tocando bossa nova com a sua escaleta e o inesquecível bandolim do Amilar parecia pousar em uma partitura mágica vinda das Brenhas de Mazagão. Ritmos se fundiam numa democracia musical crescente que só acabaria quase no início da noite com o sorriso sempre aberto da ilustre e querida amiga Nazaré Trindade. Antes, porém, Ezequias, Nonato e Sebastião faziam um coral com a música "Saci Pererê" de autoria dos três. Depois cantavam "Tauaparanaçu", de Nonato, e arrematavam com "Rio Amazonas", de autor desconhecido. A audiência não poupava elogios ao trio e se despedia de mais uma seresta tropical que a todos encantava.
Tanto Ezequias como Nazaré já se despediram deste mundo. Mas o dom da generosidade que neles havia fica na memória e na eterna gratidão pelo que ensinaram e pelo que foram.
Certa vez, num tempo de vacas magras do jornal, Ezequias me chamou e disse que não podia me pagar naquele mês, mas que iria dar um jeito. Falou que estava querendo "ajeitar" seu carro e que decidira deixar para o outro mês. Foi lá dentro e voltou com quatro pneus novos e 120 dólares e me disse: – Toma. Troca os pneus carecas do teu carro e fica com esse dinheiro pra quebrar o galho. No mês que vem a gente se acerta.
Depois ele me abraçou e pediu ao Ricardo para preparar uns uísques. Ficamos bebendo em silêncio.
Foto: Sônia Canto. Jorge Herberth veste Coisa da Tica (www.tica-lemos.zip.net).
Depois de muitos tempo sem ler, coisas da terra, comecei ler a tua e a varios outros tucujus, mais deparei com esse texto e não resisir em comentar, ... O que mais me surpreende neste teu texto Fernando é que eles fizeram tanto por muitos, e nem os poucos que celebravam ao som das vozes e das violas olharam pelos que ficaram desamparados...e esquecidos. A consciência de cada um devia fazer jus à um mínimo de reconhecimento ao patrão, ao amigo, ao companheiro, ao colunista, ao empresários principalmente ao anfitrião Ezequias Assis e a amiga, professora, coordenadora, diretora, radialista, artista platica e anfitriã Nazaré. Ninguém recebia como eles, e somos prova ainda em vida, rss daqui apouco ele nos recebera com as portas abertas lá em riba, tocando e cantando.
ResponderExcluirSeria justo um reconhecimento do Estado, não é justa caboclo a referencia aos dois.
Um abraço
Guará.
Ps. Vou comentar outros em seu blog,ok mesmo que de tempos passados como este do Ezequias, se me permitires.