sexta-feira, 26 de abril de 2013

FEDEU, MORREU!

“O poema está triste, pois quer ser seu e não pode”

(John Ashbery)

Para Antônio Corrêa Neto e Odilardo Lima


1

Não é muito

acreditar que os animais trafegam

                                                               à noite

atropelando- se entre machado e foice

os campos de abandono outrora uma cidade

 
Não é muito, juro, não é muito

pensar em seus tropéis alucinantes

em orgias de noites galopantes

aqui neste lugar

                               Ora, este lugar:

                sem muros, se  quadrantes

                cheios de virtude, não obstante

                o ranço

                o medo

                o sonho

                o cenho franzido de quebranto


2

Vento, vento, vento, vindo leste vindo

para todos que bem-vindos vieram adicionar

o sonho menos lúgubre do autóctone

(um rastro apagado em chuvas do futuro)

por engano, triste engano, cedo o sonho

                                                               feneceu num ato


Ali estão os autores da devassa

emantados de judas

coroados de silvérios

com fama e glória

em trono de raízes

(a escória a desafiar o revertério)

 
Ali estão as vítimas. - Desgraça!

Atadas em cordas de envira

embotadas em óculos de asfalto

tremendo e sem olfato

em caminhões de lixo e podridão

a roer chiclete da sola dos sapatos

 
3

Um odor de naftalina cobre a quadratura da                    

                                                                               Terra

As mesmas roupas de antanho vestem corpos

                                                                              abrasíveis

repelem os mesmos insetos que teimam em

                                                                              sobreviver

 
                               Ninguém sabe mais se o vento

                               será capaz de tirar

                               o cheiro de traque antigo

                               que se impregna no ar

 
                               Talvez pensando na morte

                ou na sorte de quem viveu

                é que tenhamos no norte

                a luz brilhando no breu

 

                               FEDEU, MORREU!

 

4

Aonde tu vais, assim, rapaz

Tão bonito, impecável dentro desse fato

Conquistar a moça do Laguinho com um

                                                                              extrato

Ou na mansão dos nobres pro jornal tirar

                                                                              retrato?

 

Onde vais, antigo companheiro de pelada?

Amesenda - te, conversa, toma uma gelada

Diz- me dos sonhos planejados no infortúnio

Quando transformar o mundo e a nossa terra

Era o delírio nas repúblicas, nos bares

Era o desejo vital das noites de plenilúnio

- Barco e esmo navegando pelos mares

 

Aproxima - te, parente, não tenhas medo de mim

Não há ninguém a meu lado, mostra- me teu latim

Quero olhar fundo em teus olhos

Quero ver se existe o brilho

Do anseio equatorial

Quero ver se teu sentido só transparece no

                                                                              fundo

Se a pregnância da história mundiou a tua vida

   

5

Dagorinha me contaram

que te dão um anelzinho

(nada dizes a ninguém)

que licitas teu destino

a troco de um vintém

que teu critério de escolha

mudou para o “anambu”

que uma vez uma galinha

bonita, toda pedrez

botou um ovo de ouro

para tua corja de três

cair no poço, entretanto

com água pelo pescoço

é apenas besta discurso

de quem não tem o do almoço.

 6

Onde o velho sonho, onde?

                Dirás: Fedeu, morreu!

Onde o futuro acariciado, onde?

                Dirás: Fedeu, morreu!

Onde a miséria acaba, onde?

                Dirás: Fedeu, morreu!

Onde a ordem do destino, onde?

                Dirás: Fedeu, morreu!

  

C

   H

      I

       N

          O                     M      E                   U       U

             U      E    B   L   T   U        G    I   O     !!!

                              O       O                    Z

 

MORREUCOMOCANGULA

SEMCEROLNALINHAZERO

Nunca mais dirás: - Sou mero!

- Pira paz, pobreza não quero mais!

 
E pedes- me que cale, fale baixo...

Não, amigo (primeirão desde menino),

a segredos desse tipo eu me levanto

não te abicoro, te patrulho ou te espanto

Mas rebento minha dor goela afora:

 
- CALA-A-BOCA JÁ MORREU!

- CALA-A-BOCA JÁ MORREU!

Quem manda nela sou eu!

 

- Vai, trajano, minhas mãos tremem com a

vergonha de Cabral.     

7

Dos Congós ao Curiaú

o silêncio é como espuma

que absorve tudo

                               Exceto a angústia

 

Como pedra

o silêncio paira

nos bairros santificados

Como barro

                o silêncio plasma

Os rostos inesquecíveis

Como fulcro

                o silêncio apóia

a retida/coletiva ira

 

8

Do Oiapoque ao Cajari

Tumucumaque é a Cobra Adormecida

que impinge a sonolência temerária

 

Cruzar dos arquipélagos do leste até o Jari

é misturar à terra a água, os pés e a vontade

de expulsar a noite e a dor para o ocidente

e ver o pôr-do-sol da cor do sangue

existente apenas  no desejo:

 

                E vem pereba/mijacão

pano branco/erisipela

dor- na- pente/lombricóide

febre amarela/escoliose

frieira/barriga d’água

caída fica a espinhela

caganeira/filariose

esquentamento/coruba

Rondam os anofelinos

(- Aonde encontro quinino?)

 

Mãe Preta puxe a esquinência

dê chá pra constipação

papeira, tosse/ guariba

acabe com a panemeira

com banho de vendecaá

 

9

Não há remédio eficiente

nos postos do interior

(o único é o ataúde

que leva a saúde e a vida

só deixa saudade e dor

 

Na certa um velho malino

há de ensinar, meu menino

que água inglesa e bromil

biotônico, óleo  de fígado

de bacalhau e o escambau

curam a dor do Brasil

com elixir paregórico

permanganato/potássio

de dr. Ross: - ora, pílulas

- Viva este povo viril!

 
Sobrevive- se no espanto

com andiroba e mastruz

sobrevive -se ao quebranto

com a mãe-do-corpo e o encanto

 

10

De Heráclito o mesmo rio

passa em marés lançantes

- Insisto que sou DIÁTICO

                me separando das águas

sorvendo cachaça e sal

(estilo de vida é sopro

que acaba com o temporal)

 

Chuva, chuva, chuva apaga

Rastros que nascem sempre

Inacabáveis raízes

Indizíveis cicatrizes

Portanto, assim sou: cratera

O que me resta é um buraco

lar de um extinto minério

casa de fera acuada

circunscrita no espaço

 

Ah, olhar dentro a

                   olhar fera

Olhos de terra a

 olhar pouco     

Olhos do fundo a

                olhar torto         

OLHAR MORTO/Um aborto

 

11

Bala balou pipira

Manga-rosa do quintal

São Benedito castiga

meninos que fazem o mal

 

Mas bem ali  jaz um morto:

é um lúbrico jarana

voluntário do infortúnio

da sina de seus irmãos

pelo soldo da cruzada

pela saldo na carteira

pelo saco do patrão

 

Perguntaremos: - Meu nego

Onde o sonho de Ivo Torres

de Álvaro, Janary, de Maricota, João?

Onde o onirismo louco

do Silva, do Araújo, do Lima e da Raimundinha?

 

                Lá na beira do trapiche

                sonâmbulo, liso e leso

                um bêbado evoca os entes

                das águas do Rio- mar

 

- GALA-SECA NA CABEÇA!

- GALA-SECA NA CABEÇA!

Na primeira de copas

te mando pra caixa-pregos!

 

12

No Igarapé das Mulheres

Na ponta do cabo Orange

Carvão ou Sete Mangueiras

um sáurio-siáudio anuncia

a vinda dos guantes-mores

para algum discurso insosso

cuspido em boca-de -ferro

(palavras oxidadas em velha inauguração)

- Um oxímoro, presumo, no correr da narração

 

Lá no Banco da Amizade

na rua General Rondon

Sacaca ralhou com um mano

que ousou lhe desrespeitar:

 

- Alguns caem numa poça

Outros no precipício

Todos têm o seu fim

Mas poucos têm um princípio!

 

13

Não é muito acreditar

(Não basta crer no que é crível!)

no que se enceta na história

no destrinchar do nó górdio

que existe no labirinto

das ruas de nossa memória

 

Pois que o teor de uma agulha

é aço que tece a teia

 
É poeira que faz pedra

juntada a cada manhã

 
É tarde clara, é Setembro

do pino equinocial

 
É fogo que cliva a pedra

não é de gelo este afã

 


Maio / 92


 

FEDEU MORREU!

E outros poemas Incontidos


Fernando Canto


 

 

Para Euton Ramos, que ligou a partida no devaneio de uma mesa de bar.

 

“Construo, com os ossos do mundo,

uma armadilha; aprenderás, aqui, que o

brilho é vil; aprenderás a mastigar o

teu coração, tu mesmo”

(Ferreira Gullar)

3 comentários:

  1. FEDEU,MORREU!-BONITO!BELO!E VIGOROSO.
    MAS SEU MOÇO COMO CANTA ESTE 'CABOCLO'
    CANTA COMO SE EM VEZ DE HUM FOSSE OITO.
    EU QUE MOREI NA ESQUINA DA ODILARDO SILVA, E FUI VIZINHO DO ODILARDO,O OUTRO.
    ESTOU BATENTO PALMAS.NÃO COM AS MÃOS, MAS COM A ALMA.
    FERNANDO.MUITOS PARABENS. .LUIZ JORGE.

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  2. FEDEU,MORREU!-BONITO!BELO!E VIGOROSO.
    MAS SEU MOÇO COMO CANTA ESTE 'CABOCLO'
    CANTA COMO SE EM VEZ DE HUM FOSSE OITO.
    EU QUE MOREI NA ESQUINA DA ODILARDO SILVA, E FUI VIZINHO DO ODILARDO,O OUTRO.
    ESTOU BATENTO PALMAS.NÃO COM AS MÃOS, MAS COM A ALMA.
    FERNANDO.MUITOS PARABENS. .LUIZ JORGE.

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  3. BONITO!BELO!E VIGOROSO!
    MAS SEU MOÇO COMO CANTA ESTE'CABOCLO'
    CANTA COMO SE EM VEZ DE HUM, FOSSE OITO.
    EU QUE MOREI NA ESQUINA DA ODILARDO SILVA.
    E FUI VIZINHO DO ODILARDO,O OUTRO.
    ESTOU BATENDO PALMAS,NÃO COM AS MÃOS,COM A ALMA.
    MUITOS PARABENS. LUIZJORGE.

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