quinta-feira, 24 de maio de 2012

DISCURSO DO PROFESSOR MUNHOZ LOPES


INAUGURAÇÃO DA GALERIA “ANTONIO MUNHOZ LOPES” DO SESC ARAXÁ, DIA 22.03.2002.

Dos meus 70 anos de vida, 43 foram vividos, ou estão sendo ainda vividos em Macapá. E desde o início, estive envolvido com a educação e a cultura. E esse envolvimento sempre foi tão grande que, mesmo quando fui delegado da DOPS, diziam que eu dava à polícia local, “um clima de cenáculo literário”, pois, segundo uma crônica do Cônego Ápio Campos, no jornal A Província do Pará, “meu escrivão era quase um poeta” e meus auxiliares “aproveitavam as folgas para ler contos e romances” e por incrível que pareça, “os próprios encarcerados eram obrigados a ler, em obediência a portaria baixada, várias páginas de antologia por semana”.
 Essa história ficou, por muito tempo, no inconsciente de muitas pessoas, de tal forma que certa vez falando no assunto, disse que tinha sido uma brincadeira do Cônego Ápio e alguém à parte, decepcionado, afirmou: “Ainda prefiro a lenda à verdade”. E não vamos muito longe: no dia 15 de janeiro de 1998, uma carta de Campo Grande, Mato Grosso de Sul, o professor João Antônio Leal Filho me escrevendo dizia: “Lembro-me sim da passagem do Munhoz pela polícia como delegado, um dos melhores que Macapá já teve”. Repetia a história contada pelo Cônego Ápio, com a variante de que, ”naquele tempo, todo policial tinha de andar com um romance embaixo do braço”. E o mais interessante é que, melancólico e saudosista, o missivista encerra sua carta com uma exclamação: “já não há mais delegados de polícia como antigamente”.                                           
Estes fatos mostram que a minha preocupação com a cultura não é de hoje. E também não esqueço as reclamações que sempre fazia, principalmente nas apresentações de exposições de arte e ainda faço quando autoridades estão presentes: de que precisamos de um museu (o prédio da antiga Intendência está se acabando), uma pinacoteca, uma galeria de arte e um arquivo público para acervos, a memória deste pedaço do Brasil.
No antigo Conselho de Cultura chegamos a fazer uma proposta que não foi levada adiante e seria o gérmen da pinacoteca: o levantamento de todas as telas que existem nas repartições públicas, muitas precisando de restauração. Ainda no Conselho de Cultura foi grande o esforço que se fez para a inauguração da Galeria Vicente de Sousa, o pintor nascido no Amapá e que fez da cana-de-açúcar o seu signo por excelência. A galeria foi aberta com uma bela exposição de Manoel Bispo. Mas com a derrocada do Conselho, ela desapareceu.
Todavia, para mim, o mais importante foram as realizações dos salões de arte, tendo sido o primeiro em setembro de 1963, portanto, há 39 anos, como parte dos festejos comemorativos do  20º aniversário de criação desta unidade federativa. E vale recordar que, em 29 de Setembro de 1963, na Folha do Povo, comentando num artigo denominado “Paleta, Amor e Alma”, a participação de Vicente, no I salão de Artes Plásticas, Isnard Lima dizia: “Vicente, esse moço promete”. E, de fato, o prognóstico do articulista se cumpriu, pois Vicente foi um nome importante no cenário artístico brasileiro, com a sua fase denominada de canacultura.
 O II Salão foi aberto no dia 15 de Dezembro de 1966, no térreo do Colégio Amapaense e, no livro de Walmir Ayala sobre Manoel Costa, aparece uma foto do acontecimento. O III Salão foi inaugurado em 13 de Setembro de 1967, com a presença do Governador Ivanhoé Gonçalves Martins. E por este salão recebemos um ofício do Diretor da Divisão de Educação, citando a mostra como “um dos pontos destacados na comemoração do 24º aniversário de instalação do Território Federal do Amapá”. Lembro de que participaram da exposição R. Peixe, Paulo Leite, Fulvio Giuliano, hoje um nome internacional com o seus ícones, morando atualmente em Monza; Carlos Nilson, Manoel Bispo, com dois quadros muito bons: “Retrato de mulher” e “Mulher com flores”; Irenilda Almeida, Donato dos Santos e Paulino do Rosário.
Em Setembro de 1983, 16 anos depois, quando éramos diretor do Conservatório Amapaense de Música, hoje Escola de Música Walkíria Lima, realizamos o último salão, que foi uma retrospectiva de 35 quadros de Fulvio Giuliano, ainda como parte dos festejos comemorativos do 40º aniversário do Território, fazendo uma análise da obra do artista italiano, que por muitos anos viveu entre nós. Por sinal, esta retrospectiva é lembrada num livro que saiu na Itália em 1995 e que tem por título “La Bellezza Salverà il Mondo”. Éramos citados exatamente quando recordamos que o pintor retratava a nossa terra, sem fantasia, mostrando o homem carente de tudo, o homem em sua miséria e solidão, cujos exemplos sofridos mais flagrantes, eram os quadros denominados “Assim morreu pracapá” e “Benedito Acabou de Sofrer”.
Meus amigos, o tempo foi passando e aqui estamos. Voltando de Belém do jantar dos meus 70 anos, onde consegui juntar meus nove irmãos, Regina Valente e Graça Viana, na abertura da exposição de Flávio Damm, me intimaram: não pode sair de Macapá agora neste mês de março. Não liguei, pois, na verdade, nunca me passou pela cabeça homenagem de tal jaez, o que às vezes remotamente pensava era de que um dia talvez fosse nome de escola, mas quando estivesse morto. Mas nome de galeria de Arte, não, nunca pensei, mesmo porque acho chique demais.
De público e de coração agradeço aos meus amigos do SESC, e é um agradecimento especialíssimo, sobretudo, porque estou vivo. E outro fato que me surpreende é que, muitas vezes, na minha vida de professor, lendo e relendo o poema de Manoel Bandeira, “A morte Absoluta”, do seu livro “Lira dos Cinquent’anos”, meditei inúmeras vezes nos versos finais do poema, quando o poeta afirma: “Morrer tão completamente / que um dia ao lerem o teu nome num papel / perguntem: Quem foi? (E ele continua): “Morrer mais completamente ainda, sem deixar sequer esse nome”. Agora, posso dizer até com uma ponta de orgulho ou vaidade, que morro, mas não de todo, porque meu nome ficará gravado numa placa com mérito ou sem mérito, não sei, mas ficará.
E recordo ainda outro poeta, Camões, nos Lusíadas, quando fala daqueles “que por obras valorosas / se não da lei da morte libertando”. A  lei da morte é o silêncio, o esquecimento. E a libertação de tal lei é tornar-se vivo na memória dos pósteros. Não almejo tanto. Mas tenho certeza que no futuro alguém lendo esta placa, vai perguntar, com certeza: Quem é? Quem foi? Será uma prova de que não estarei morto completamente, como no verso do poeta.
E mais uma vez, para os meus amigos do SESC, como para todos os meus amigos aqui presentes, o meu muito obrigado.

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