quarta-feira, 16 de maio de 2012

CARTA AO HÉLIO PENNAFORT (*)


JORGE HERNANY (**)
            Hélio, já se passaram algumas horas desde que recebi a notícia que não queria ouvir. A primeira coisa que consigo raciocinar meio atordoado é que não irás mais ver a Paula e a Flávia crescerem.
       Queria tanto que isso acontecesse. Estou defronte ao Rio Amazonas te vendo naquela pequena embarcação que vence a imensidão da baía de Macapá com destino a algum lugar do interior. Tento me apegar à esperança de que os médicos estão enganados; que ainda te verei entrando por aquela porta a qualquer instante; que continuarei a receber os teus telefonemas nos fins de semana pedindo para bater fotos das crianças; que continuarei a te ver pedalando em frente a cidade. Tento ser o mais severo possível e coordenar as ideias, mas a realidade agora é uma cruel verdade. Você partiu e não haverá retorno. Estamos aqui olhando um pra cara do outro sem poder fazer nada, prostados e de mãos atadas. Em meio a esse momento de apatia e solidão começo a rir quando vem a memória o nosso primeiro contato. Aquela travessia entre a cidade de Macapá e a Ilha de Maracá. Estava mesmo cansativa, lembras?
          Depois é que fui entender o porquê da tua impaciência diante de mim, um repórter em começo de carreira querendo puxar uma entrevista burocrática durante uma viagem enfadonha, quando tudo que você queria era contar “causos” e gargalhar a vontade. Lembro bem do sutil puxão de orelha que levei: “rapaz, deixa de ser chato eu sou um contador de estórias e não de histórias”. Ainda bem que aquela gurijuba cozida somente com água e sal e as doses de pinga alegraram depois o ambiente. Parece que foi ontem esse ponto de partida que me faria mais tarde a fazer parte da família.
            Hoje contemplo teu corpo inerte na sede da UNA. Ele tem algo de angelical vestido de branco e com o teu rosto cheio de paz na hora da partida. De você, só falavam virtudes. Também pudera, não lembram de ti um gesto de maldade. Como escritor, jornalista e radialista todos são unâmines em dizer que ninguém foi melhor no jornalismo amapaense para traduzir com naturalidade cada pedaço de vida do interior do Amapá e exprimir a cultura e o sentimento caboclo. Se existir um consolo neste momento é justamente saber que isto ficará para sempre como grande contribuição à nossa história. É o legado que você deixa como referência para a posteridade. O mínimo que pudemos fazer foi te levar sob fortes aplausos e, acredita, foram manifestações das pessoas que sempre te admiraram. Sei perfeitamente que não gostavas de tristeza, mas não dá para evitar de dizer que ficamos todos órfãos, que estamos sentindo saudades e choramos a tua ausência. Descanse em paz amigo. Como sabes a Paula e a Flávia ainda são crianças, indiferentes a nossa dor, mas na hora certa prometo contar cada página bonita da tua história e certamente elas terão motivos de sobra para se orgulhar do vovô Hélio.

(*) Publicado no Jornal “Artecultor”. Sem data.
(**) Jornalista, genro do Hélio Pennafort, falecido em 01 de fevereiro de 2006.

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