26/7/2010 – Shopping Iguatemi, 17:40 h - – Em trânsito por Belém, aguardando prosseguimento de vôo para Manaus/AM.
Rui Guilherme
Naqueles antigamentes, o correio era tão ruim, atrasava tanto, que lembro de ter mandado um telegrama para Tia Eugênia, que morava no Rio de Janeiro, avisando-lhe de minha chegada em férias de fim de ano, coisa de um mês pra frente. Pois bem. Peguei o avião, um turbo-hélice Hirondelle, se não me engano. A companhia aérea? Não lembro... Pode até ter sido a Paraense Transportes Aéreos – PTA. Sigla que o paraense, com seu sarcasmo bem característico, dizia: PTA? Prepara tua Alma...
Pois é. Preparei minha alma e cheguei ao Rio. E lá já se estava quase no fim das férias quando acionam a campainha do apartamento de Tia Eugênia, em Copacabana. Fui atender: era o carteiro que viera entregar em minhas mãos o telegrama que eu havia remetido de Belém fazia quase dois meses, avisando que estava chegando ao Rio.
Esse caso do telegrama aconteceu há um tempão. Décadas, muitas décadas...
A Belém daquele tempo era pequena, acolhedora, sem violência. Luz elétrica, precária. Os edifícios eram conhecidos pelo nome: Palácio do Rádio, Importadora, Renascença, Piedade, Manoel Pinto da Silva e pouquíssimos outros mais. Shoppings? O que é isso? O comércio era nas ruas João Alfredo, Treze de Maio, Manoel Barata e suas transversais. Nem supermercado havia, magina...
Cinemas, isso sim, havia. E magníficos: Olympia, Palácio, Nazaré, Iracema, Moderno, Independência, suntuosos e enormes. Ao começar a sessão, fechavam-se grandes portas de madeira para garantir a escuridão. O calor, amenizava-se com possantes ventiladores de parede. Até os cinemas de bairros eram bons: na Cidade Velha, o Guarani e o Universal; no bairro do Reduto, o Íris; chegando em São Braz, o Popular. E para o molecório, a preços bem reduzidos, no Largo de Nazaré havia o Poeira, com seus bancos corridos de madeira e piso de chão batido a recepcionar rios de mijo vertidos pelos jovens espectadores que nem pensavam em ir ao banheiro, de modo a não perder nem uma cena dos seriados de Tarzan e do Superhomem. Mesmo no boêmio bairro da Pedreira, subúrbio conhecido como Terra do Samba e do Amor, havia um cinema, cujo nome não recordo. Pomposamente, os pedreirenses chamavam-no de cine-teatro.
Estou passando algumas horas em Belém. Em trânsito, a caminho de outros Brasis. Com uma espera de quase de dez horas, tinha como alternativas ficar um tempão bestando no aeroporto, ou dar uma chegada à cidade.
Vir à cidade... Acontece que não tenho onde ficar numa cidade que já considerei minha. Será que era mesmo minha aquela Belém da Rádio PRC-5 – A Voz que Fala e Canta para a Planície? Era minha aquela Cidade Morena onde só havia dois ladrões, o Beiço-de-Burro e o Pracaúba? Ladrões furrepas, meros macuqueiros, que se ocupavam roubando galinhas dos quintais...
Será que eram meus aqueles túneis de mangueiras? Aquelas águas barrentas do rio Guamá onde ia tomar, escondido de Mamãe, meus banhos de “mar” com a turma de moleques do Largo da Sé?
E os urubus que planavam solertes no firmamento intensamente azul, muito acima das torres da Catedral, em que páramos foram se esconder aqueles anjos negros? Deitado de peito para cima no janelão de casa na Cidade Velha, demorava-me horas invejando os urubus que voavam graciosamente naqueles céus de minha infância. E – olha só o que é cabeça de menino! – eu sonhava em transformar-me em urubu para poder, como eles, voar, voar, voar!
Pois nesta Belém de hoje, moderna, violenta, perigosa, cheia de shoppings, malls e outros lugares estilosos; pois bem: nesta metrópole do século XXI, descubro que sou um estranho. Não é minha esta Belém de dois milhões de habitantes, nem eu sou dela.
Vim pelos céus e pelos céus prossigo viagem. De avião. Não vim propulsionado pelas minhas asas; não as tenho. Nunca as tive, nunca as terei. Não consegui criar asas, por mais que, em meus sonhos de menino nesta Belém que já foi meigamente minha, contemplando com inveja os pássaros que voavam preguiçosamente no azul do céu de verão, tenha eu desejado com toda a pujança e fé contidas em meus anseios de criança, virar urubu. Ainda que somente por pouco tempo.
Linda crônica.
ResponderExcluirBelém Belém,do bar do Parque do Bar Fafá,Belém que não tem...não tem mais,só na imensa saudade refletida neste texto,era minha aquela Cidade Velha que me pariu com tanto Amor,te guardarei para sempre na memória, te Amo Belém de outrora.
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