Meu filho, nas férias de julho, foi quem primeiro me mostrou aquele trânsito sem igual de borboletas amarelas, ainda quando estávamos aproveitando as delícias de Alter do Chão. Depois, da janela do apartamento onde ficamos, em plena área urbana de Santarém, continuamos vendo centenas, milhares delas atravessando ruas ou desviando por cima de prédios, sempre no sentido de Sul pra Norte. O fenômeno prosseguiu na viagem para Juruti. Elas vinham em voos sinuosos como se fossem bater na janelinha da lancha Tapajós e, como se movidas por puro instinto biológico, faziam verdadeiras acrobacias de circo antes de desviar e sumir no rumo de um destino incerto – não, talvez, pra elas.
Em Juruti, tirando soneca numa rede de largueza infinita que nunca desatava da confortável varanda da casa onde fiquei novamente elas vieram enfeitar minha vida, enquanto eu sofria com o sacrifício supremo de curar uma ressaca de pirapitinga. Passavam com o mesmo voar gracioso e sem se perturbar com o sol abrasador que fazia lá fora, onde “a terra parecia subir pelos homens, bichos e árvores com o calor, como escreveu o mestre Dalcídio Jurandir, nas páginas poéticas do romance Marajó. Obra prima tão carregada de poesia como aquela procissão interminável de borboletas que eu apreciava da minha rede.
Mas, a saga das borboletas amarelas me conduziram a outro livro genial, Mad Maria, do amazonense Marcio Souza. Nele, o autor nos descreve uma velha fotografia, na qual o poeta Mário de Andrade aparece sorrindo, em puro encantamento com as borboletas amarelas. A foto é do dia 11 de julho de 1927. Terá sido coincidência também ser num mês de julho? O poeta, dona Olívia Penteado e outros paulistas, moços e moças, todos intelectuais agregados pelo impacto da célebre Semana de Arte Moderna de 22, foram conhecer e viajar de Porto Velho a Guajara-Mirim pela estrada de ferro Madeira – Mamoré, a famosa ferrovia do diabo. Eis como a célebre imagem é descrita na pena mágica de Marcio Souza:
“ A fotografia foi tirada em Porto Velho, exatamente às doze horas e trinta minutos. Por isto, as sombras se confundem com os objetos e o poeta está sentado de banda sobre o trilho. Ao meio-dia o trilho de metal devia estar bastante quente, pegando fogo mesmo. Mas o poeta sorri porque duas borboletas amarelas entraram no campo da fotografia e volteiam em torno dele”.
Dia seguinte, viajando no rumo do Paraná da Dona Rosa, no barco do meu irmão Pescada, continuamos na boa companhia das borboletas amarelas.
-Isso nunca acaba?
-O quê?
-Essas borboletas.
-Todo julho é assim, elas sempre aparecem, basta o rio vazar
- Será que elas atravessam o Amazonas em todo o estirão ?
- Num sei, mas daqui até bem acima de Manaus eu já vi – confirmou o Pescada, firme no leme.
-Sei da presença delas em Porto Velho, tem um registro datado de 1927 – eu falei, lembrando a famosa foto do poeta Mario de Andrade.
De onde vem essa onda migratória e para aonde vão tantas borboletas? Nos Estados Unidos acontece algo parecido, motivo de muito estudo científico: a migração das borboletas monarcas. Dizem que elas migram para fugir do frio e se acasalar no calor. Se for isso, não deixa de ter certa lógica. Nossas borboletas amarelas surgem do Sul como se estivessem fugindo do frio e viajam uma imensidão, na busca do verão do Norte. Senhores biólogos desta Amazônia, taí assunto para uma boa tese de mestrado.
Sempre acompanhados dessa horda de borboletas, viajamos depois para Óbidos. Nosso primeiro drama, na chegada, foi encontrar um lugarzinho onde o barco do Pescada pudesse atracar e estar protegido. Demos sorte de ter vaga ao lado da balsa de um amigo, onde sempre há algum tripulante tomando conta, para vigiar contra outra horda, esta noturna, que perambula pelos arredores do porto de Óbidos: a dos gatunos. Só o pobre do Pescada já teve o barco assaltado umas três vezes por esses “amigos do alheio”. Na última visita eles levaram linhas, redes de pesca e de dormir, ferramentas do barco, peças da máquina, facões, botijão de gás, fogão, coisas que meu irmão amealhou com muito sacrifício na sua vida de ribeirinho. Tudo foi parar nas mãos dos ratos que infestam aquela área. Mas o dia começou várias vezes bem: o barco atracado em lugar seguro, um outro amigo esperando na sua caminhonete cabine dupla para nos agasalhar numa das confortáveis suítes da casa dele, e um Pálio, novinho em folha, que ele cedeu para que eu me deslocasse com meu filho enquanto estivéssemos em Óbidos. Não bastasse tudo isso, uma das borboletas amarelas deu vários volteios e pousou no balaustro do barco, bem pertinho de nós e ficou ali alguns minutos, abanando as asas graciosas, como a nos desejar uma boa estada na cidade mais bonita do Brasil.
Aqui no Ceará, precisamente em Maracanaú e cidades vizinhas eles estão vindo do poente para o nascente. É um espetáculo muito lindo!!!!
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