sábado, 29 de janeiro de 2011

NENHUM GALO OUSA ANUNCIAR

Fernando Canto

galo Os galos não mais tecem a manhã. Nem sozinhos nem cantando em uníssono, apanhando o grito de um e o lançando a outro.

Pode parecer estranha esta desconstrução que faço na poesia de João Cabral de Melo Neto. Porém, nenhum canto de galo se ouve mais perto da minha casa. A cidade deve ter crescido e engolido o resto de poesia rural num tempo de expansão e de medo. O medo o afugentou e o descreditou das alvoradas louras, das manhãs de fogo flutuante no céu equatorial, onde reinava absoluto antes dos carros acordarem.

Era cedo. Perto de clarear já se ouviam os trinados dos caraxués e sabiás vindos da direção do aeroporto, talvez fugindo do barulho dos jatos viajores. Nenhum galo cantava. Uma revoada de bicos-de-lacre fez a primeira sombra, ainda tênue na manhã. Nenhum galo ousou cantar. Bem-te-vis escreviam suas notas musicais “nos fios tensos da pauta de metal”; suís azuis e pipiras devoravam o mamoeiro do vizinho, todavia o canto do galo ficou no vazio.

Confesso que era grande a expectativa do seu canto. Os ouvidos aguçados nada compreendiam. Relógios e celulares lhe substituíram na função, e os quintais - seu reino e território - cimentados, não mais permitem que cisque avidamente o chão em busca de alimento.

Onde está o galo com suas qualidades de curar as psicoses, de acordar aqueles que querem deter o crescimento, fingindo que o tempo não passa; que denuncia a mentira e anuncia a luz?

O galo é o símbolo solar, representa a altivez, a coragem e a vigilância e foi nomeado pelos antigos como o “organizador do caos”. Sua imagem se identificou com a de Cristo, denunciador da mentira e condutor da luz que penetra as trevas do mundo. Mas antes Dele a imagem do galo era tão popular que foi cunhada em moedas gregas (século 6 a.C.).

Entre os gregos e depois entre os latinos o galo branco foi consagrado primeiro a Zeus-Júpiter, depois a Apolo, deus solar. Por essa razão Pitágoras proibiu seus discípulos de comerem o animal. Chamado também de “profeta do dia”, ao anunciar o advento certo da luz do sol mesmo em meio à noite mais espessa, foi associado ao culto de Hermes-Mercúrio, o deus do comércio, pois todo o sucesso comercial depende da vigilância e também porque os antigos caldeus acreditavam que o galo recebia, desde a aurora, do planeta mercúrio, um influxo divino. Daí os alquimistas tomarem o animal como símbolo do calor natural, ligado a Mercúrio. Foi consagrado a Esculápio, o deus da medicina, filho de Apolo, por seu suposto poder sobre influências malignas. É emblema da coragem militar, por sua altivez, lealdade e fecundidade. Suas entranhas serviam para a prática da alecryomancia, um modo de adivinhação que se revela na perscrutação de suas carnes. É encontrado em esculturas e desenhos de campanários de igrejas e catedrais porque é um dos símbolos plenos de Jesus como esposo místico e fecundo da Igreja, pai e chefe dos fiéis, seu guia e defensor.

O galo está presente em todas as culturas humanas e nas religiões como um animal simbólico. É rixento e polígamo e tem parentesco direto com os jacus, mutuns e jacutingas. É o galo o anunciador da idéia da vitória e da ressurreição, pois o dia renasce depois da morte simbolizada pela noite que estende sobre o planeta seu manto de silêncio e sombra.

Em meu bairro os galos foram parar nas panelas e substituídos pelos cães que ladram e uivam em noites de lua. O medo das pessoas falou mais alto que o canto anunciador das boas novas. O medo agora é quem rasga com suas esporas o ventre da noite para se esconder nas sombras incrustadas no dia. O galo não canta mais. Não grita com outros galos tecendo a manhã. Mesmo assim o sol nasce e se revela no vasto terreiro que é este mundo com seus cantos diferentes.

Um comentário:

  1. Que maravilhoso este Conto e Canto do Fernando sobre o galo "que não canta tecendo as manhãs" é um encanto pela forma e conteúdo.
    Tri legal !
    www.saitica.blogspot.com

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