sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ANTÔNIO MUNHOZ LOPES – “O MESTRE” *

 Parque dos Poetas. Escultura do  Mário de Sá-Carneiro, do escultor Francisco Simões em 29.07.2008.

Por Bellarmino Paraense de Barros**

Neste mundo eivado por constantes notícias no seu grau mais acentuado de perversidades e de acontecimentos anticristãos, falar, ler e ouvir sobre o cidadão Antônio Munhoz Lopes, vale como retemperar a crença em nós mesmos, de que o mundo não conseguiu derrear este jovem quase setentão pelo entulho hediondo dos males que perturbam o viver das populações que se movem sobre face da terra.

Como advogado, Munhoz exerceu no ex-Território do Amapá, o difícil cargo de primeiro Delegado da Divisão de Ordem Política Social (DOPS). As funções não convinham a essa criatura que fez opção pelas posturas mansas, doutrinadas no Seminário Metropolitano Nossa Senhora da Conceição e Seminário Santo Antônio onde fez o curso de Filosofia, recebendo a batina no dia 08 de Dezembro de 1950.

Com toda essa bagagem cultural e religiosa, Munhoz optou pela sagrada missão de ensinar, aliás, ensinar é plasmar caráteres jovens para a penosa missão de servir o próximo nesse confuso mundo da convivência social. O mundo, todavia, não é aparelho, principalmente no campo da cultura.

 O Professor Munhoz carrega em sua mente uma bagagem valiosa representada por sua cultura por sua formação moral. Pessoas existem mourejando pela vida, que apresentam as mais ricas expressões de ignorância e de santidade.

Nos bairros do Trem e do Laguinho, o então Governo Territorial mandou construir duas unidades, uma em cada bairro, que foram nomeadas de banheiro público. Ali se banhavam os trabalhadores enquanto que as senhoras lavavam roupas em vários tanques ali postos para essa finalidade.

Como político do bairro, arranjei a vaga de zeladora do bairro do Trem, para a minha comadre Ercília, que apesar de ser portadora da deficiência física, era, além de eficiente em suas funções, respeitada pelo atrevimento que usava para garantir o bom desenvolvimento do seu trabalho.

Certa ocasião, várias usuárias do banheiro público se desavieram com repercussões espalhafatosas. Para prevenir a irreversível reprimenda do Governador do então Território do Amapá, mandei chamar minha comadre Ercília e cobrei-lhe satisfações sobre o ocorrido. Logo minha comadre Ercília justificou-se: - Compadre, isso aconteceu, porque eu não estava lá na hora porque se eu "tassi" as brigonas iam se arrepender. Quase beijei a minha comadre pela pérola que ela usou para se defender e mandei-a embora perdoadíssima.

Manoel Esperidião Ramos, duas vezes meu compadre pela sua escolha para que minha esposa e eu batizássemos seus filhos Cosme e Damião, era um carpinteiro dos bons, que comigo serviu na então Olaria Territorial e devoto fervoroso de Santa Luzia, costumava comercializar o suco de açaí, como subsídio para o sustento de sua família. Um dia meu compadre Esperidião compareceu ao escritório do órgão, e timidamente foi logo informando de sua presença ao me propor; - Compadre, lá em baixo tem uma peça de acapu que eu vou precisar para preparar uma falca para a minha canoa que transporta açaí, e eu pago quinze cruzeiros pela mesma. E eu respondi: - Compadre, aceitamos porque essas peças vão acabar queimadas porque não servem mais pra nada. Meu compadre Esperidião ouviu minha informação e exclamou: - Meu Santíssimo Deus, se eu advinha-se não tinha "dizido" quinze cruzeiros!

Comovido com esta inesperada reação do meu compadre, respondi a ele que não tinha ouvido ele dizer quinze cruzeiros, mas sim, obrigado. E disse a ele: - Compadre, leve todas essas peças de madeira, aproveite para isso o caminhão dirigido pelo compadre Major.

Um dos trabalhadores da Olaria, estava com sua esposa possuída por uma cruel dor nos intestinos. Encaminhei-o ao meu amigo médico Mano Barbosa, que determinou lhe: - Vá correndo à farmácia e compre uma lavagem, o atormentado trabalhador dirigiu-se como um louco a farmácia Serrano e foi logo dizendo: - Eu quero uma lavagem para a minha esposa.

O Sr. Serrano, atencioso, informou ao afobado cliente: - Temos três tipos de lavagem: estomacal, intestinal e vaginal; qual o senhor deseja? O pobre trabalhador respondeu; - Nenhuma, mas espere aí, o senhor não tem nenhuma cuzal? Para mim eu daria nota dez para nosso ignorante trabalhador, pela sua boa fé em acudir sua padecente esposa.

Nos primeiros anos de administração territorial não existiam agências funerárias, e então, todas as urnas fúnebres eram preparadas na Olaria Territorial. Certo dia ingressou no meu escritório, aos prantos, uma pobre mulher que havia perdido sua filha e se encaminhava até ali para encomendar o respectivo caixão. A chorosa senhora vinha a ser minha comadre, e sua filha minha afilhada, e em decorrência, sua dor foi assimilada por mim que também me senti penalizado.

Minha comadre no quadro doloroso de sua dor me disse: - Compadre, o senhor está lembrado daquela boneca que o senhor deu quando ela completou o seu primeiro aninho? Era sua alegria, amiga inseparável. Hoje de manhã notei uma palidez que me deixou desanimada. Para testar a gravidade de sua doença eu lhe perguntei: - Minha filha, você quer sua boneca? Compadre, ela nem se mexeu. Aí eu deduzi essa não vai querer mais! Como de fato ela não se animou e parou para sempre.

 A cidade do Amapá, poeirenta nos primórdios do ex-Território, também não possuía casa funerária, e os caixões eram feitos de marupá, preferida por ser leve e dócil nas mãos dos marceneiros. Certo dia, várias pessoas procediam ao enterro do corpo de uma senhora um tanto quanto obesa, acomodada em um caixão de marupá confeccionado por um operário curioso nesse metier. Não havia neste “envoltório”; alças de metal, mas peças de couro nele afixadas, sendo três de um lado e três de outro. Uma corda forte traspassada nas alças possibilitava tecnicamente para que dois homens transportassem aquela finada, motivo daquele cortejo fúnebre.

Notava-se um pranto ostensivo cometido por algum dos acompanhantes do enterro. A cidade do Amapá, na época, era dotada de vias poeirentas, que infernizavam seus habitantes sem contar com as ondulações que danificavam os veículos que por ali passavam. Aconteceu que neste caminhar descadenciado, as alças do caixão arrebentaram. Então as tábuas do fundo da urna se despregaram e o corpo da inditosa senhora despencou com mortalha, flores e pedaços de vela no caminho poeirento na cidade do Amapá.

Diante deste infausto acontecido as pessoas mais atentas tratavam de amarrar o caixão repondo no seu derradeiro lugar o corpo empoeirado da defunta enquanto os acompanhantes apresentavam uma forma impossível de reprimir.

Esses são alguns trágicos e cômicos que ocorreram no nosso amado Amapá, que a história silencia, e que eu introduzo nesta humilde crônica que sua prodigiosa cultura desconhece.

Não pretendi fazer humor invocando fatos tristes do nosso querido Amapá, todavia o mestre Munhoz sabe que o humor nada mais é do que o impacto do inesperado no nosso subconsciente. Sua história repleta de grandes feitos nas letras que lhe deram louros em seu mestrado. Seu cabedal de conhecimentos foi premiado pelas viagens empreendidas por vários países e continentes, diploma de Honra ao Mérito expedido pela Câmara Municipal de Macapá, além do colar do Mérito Judiciário e outras honrosas concessões. Meu caro Mestre Antônio Munhoz, receba através dessa crônica um valioso abraço fraternal deste velho batalhador do Amapá.

( * ) Edição de 21 de novembro de 1999- Jornal do Dia
(**) Cronista do Jornal do Dia

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