quarta-feira, 16 de junho de 2010

FILHO LONGE

Conto de Fernando Canto

Para o ASMA, adolescendo.

     É cedo. Ela bate o telefone com raiva. Ou seria ciúme?

     - Esse menino pensa que é homem feito. Fica arranjando umas peruas fedelhas que nem ele e ainda por cima quer que eu mande dinheiro pra comprar presente pra elas. Ora veja só, seu Arthur, aonde é que nós chegamos. Ele também é seu filho. É seu filho...
     Ela me cobra, fala resmungando, mas pedindo cumplicidade. De sua cabeça parece sair uma fumaça que se espalha na sala de jantar, onde leio o jornal e tomo café antes de sair para o trabalho.
     Ela pergunta; - E você? Fica só olhando, não diz nada, é? Pensa que eu não percebo um brilho de orgulho nos seus olhos? Só porque ele é homem, é? Queria ver se fosse uma menina... Pra mim ele ainda é criança...
     - He, he, he!
     Dissimuladamente eu rio da preocupação da mãe com o filho adolescente, embora tenha por castigo uma abrupta interrupção na leitura. Apanho o jornal do chão e chego a ensaiar um discurso.
     - Acont...
     - Acontece coisa nenhuma. Vocês homens apóiam tudo que o filho faz, principalmente quando se trata de mulheres.
     - Deixa o meni...
     - Deixa, nada. Com o fantasma da AIDS rondando por aí... Coitado... Sabe lá se usa camisinha.
     - He, he, he!
     - Não ria tá bom? Eu não quero nem imaginar meu filho padecendo com essas horríveis doenças sexuais.
     - Mas, meu amor... Ele é bem informado, tem leitura e não se mete com qualquer uma... Deixe ele curtir suas férias lá com os avós.
     - Ora, os avós são os primeiros a paparicá-lo e ainda o estimulam deixando ele sair no carro, logo naquela cidade onde só tem piranha. Sabe o que ele me disse, sabe? Que um “avião” caiu no “aeroporto” dele e que ele vai “detonar”, “decolar”, sei lá o quê... Aquele moleque, metido a homem...
     - He, he, he!
     Imagino meu filho namorando com um Boeing 747, abraçado com a aeronave, voando entre as nuvens, aterrissando na pista e a população aplaudindo no terraço do aeroporto. Ela chama minha atenção, baixando a folha de jornal, senta-se na cadeira a meu lado e me encara.
     - Veja você: eu já sei que ele anda pra cima e pra baixo naquele carro, pelas praias, pelas praças, passeando com gatinhas, me disseram... Com galinhas, isso sim, porque só tem galinha e piranha naquela porcaria de cidade. Vamos supor que ele se apaixone e, e... Oh, meu Deus! Não quero nem pensar. Ele é tão novinho...
     Eu digo: - Olha que você nasceu lá, hem? Suas irmãs moram lá, suas sobrinhas moram lá... hem, hem? (Insinuo com sarcasmo)
     Ela levanta e diz: - É. Mas eu não sou igual àquelas galinhas, tá bom? Eu sou de uma outra época, época que havia respeito.
     Eu digo: - Tá bom, tá bom. Não está mais aqui quem falou. Não precisa ficar vermelhinha. Não me bata. Please, my girl! (Continuo a ironia)
     Ela está superpreocupada, Roda pela sala. Eu só olhando...
     Ela pára: - Ai! Eu não quero ainda ser avó, sou muito nova. Acho melhor que ele venha logo. Já começo a me preocupar. Já pensou? A gente cuidando de criança nova... Ora, um fedelho desses que ainda faz cocô na cueca... E você? Você não diz nada? Depois não me venha dizer que eu não avisei, seu machista.
     -He, he, he!
     Ela fala, fala: - Blá, blá, blá...
     Eu penso, penso, o meu pensar pequeno-burguês: - Será que eu sou a espora e ela é a rédea? Sem isso o cavalo desembesta e cai, quebra a perna... Mas com isso o cavalo anda devagar, trota e pára pra comer capim... Metáforas vêm à cabeça. Um carro. Isso. Um carro dá pra comparar. Direção, marcha, embreagem, acelerador, freio... Ora bolas, cada um tem sua estrada. À noite, seu próprio farol, mas os obstáculos a serem ultrapassados são de nossa responsabilidade. É um filho. Temos que indicar o que pensamos ser o melhor caminho. No meu tempo era uma outra coisa. A gente tinha que se virar. Eu nunca tive as informações e as facilidades financeiras que meu filho tem hoje. Tudo é perigoso hoje em dia. A mãe dele não deixa de ter sua razão. Tenho que entendê-la, seja cuidado ou meramente ciúme de mãe. Ela tem razão. Quero acreditar nisso. Então a chamo para uma conversa mais séria. Não percebo que ela já saiu para trabalhar.
     Quando retorno, à noitinha, a encontro com meio-sorriso, mas querendo parecer séria.
     Ela diz: - Mandei só mil reais. Depositei esse valor na conta dele. Só isso e nada mais do que isso. Será que ele pensa que somos ricos, que dinheiro brota no meio da rua? Ah, ele tá muito enganado. Só mando mil, e olhe lá... Não sei pra quê ele quer mais dinheiro? Não basta o que demos para ele levar e o que os avós dão quando ele pede? Esse menino tá é aprontando... Veja se fala com ele, Arthur, veja lá, hem?!
     Ela me adverte do perigo. No fundo eu explodo uma risada. Cá comigo sei que milzinho vai dar para comprar um bom presente pra gatinha e ainda vai sobrar. O filhão é esperto... Vai se divertir à beça com seu “avião”. A mãe e o pai que se danem. Não estarão perto para vigiá-lo, mesmo. É preciso ele aprender a guiar aos poucos sua própria vida.
     Lá no fundão de sua alma preocupada, tenho certeza que a mãe de meu filho sabe disso, apesar da insegurança.
     As oito ela liga. Interurbano. Eu ouço o final da conversa.
     - Filhinho querido, me desculpe de novo por hoje de manhã. Já depositei um dinheirinho na sua conta. Mas não é tudo aquilo que você pediu, viu? A grana por aqui tá curta. Olhe, tome cuidado, tá? Você sabe de quê estou falando, meu filho? Não se faça de desentendido. Converse com seu avô... Não se deixe iludir por essas garotas maluquinhas, meu filho. Se cuide. Beijão. Vou passar pro seu pai, ele quer conversar com você e lhe dar uns conselhos. Tchauzinho!
    Ela passa o aparelho para mim. Está apreensiva. Me vigia. Me marca cerrado. Eu a olho sério nos olhos. Atendo ao telefone e falo:
     - Oi filhão, é verdade que já vou ser avô?

Belém – PA - 1991(atualizado em 2010)

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