Festival é um termo que tem diversas conotações, mas sempre traz o sentido de algo grande, que denota movimento, sons e cores. E é dele que quero me reportar para lembrar o seu plural, que também enseja vanguarda e apresentação de coisas novas.
Desde 1971 participo de festivais de música, principalmente porque àquela época era o único meio de se saber quem compunha, escrevia ou tocava alguma coisa fora dos círculos sociais, onde pouquíssimos artistas freqüentavam. Estes, de alguma forma tinham uma relação com o poder.
Nesse tempo, romper o bloqueio de músicos e intelectuais como Isnard Lima, Amilar Brenha, Nonato Leal, Alcy Araújo, Ezequias Assis, e outros, não era fácil. Praticamente eles faziam de tudo. Inclusive trabalhavam como promotores desses primeiros festivais e se redobravam como divulgadores, jurados e, até mesmo como compositores. Não dá para esquecer que nesse ano de 71 (quando inscrevi o samba "Laguinho, Laguinho, Laguinho", em parceria com Odilardo Lima, poeta do nosso bairro que se transformou em delegado e esqueceu a poesia), a música vencedora foi "Balada de Amor e Dor" de Isnard Lima e Venilton Leal. Canção magistralmente interpretada por José Maria Santos, que viria a tornar o famoso Jomasan, que depois se radicou na Guiana Francesa e fez sucesso como cantor, mas que agora está de volta à Macapá. Nesse ano acompanhei ao violão a música "Maria" de Hernani Vitor Guedes, violinista e líder do conjunto "Os Mocambos", que integrei mais tarde. O detalhe desse festival foi que se descobriu depois que a canção vencedora era de autoria do presidente da comissão julgadora e não de seu filho. Isso praticamente desestimulou a produção do seu Hernani como compositor, segundo Nivito Guedes, seu herdeiro musical e meu parceiro hoje.
Normalmente os festivais de música trazem a suspeita de fraude, de protecionismos e de vínculos de camaradagem, onde estão presentes os afagos culturais de uns e relações políticas de outros. Nem sempre a competência vence, mormente se o autor, o intérprete ou a banda não fazem parte do chamado "esquema".
Lembro que em 79, no festival da canção da Associação dos Universitários, quando apresentei "Pedra Negra" com o Grupo Pilão, e perdi no final, o jornalista Antonio Corrêa Neto publicou no falecido jornal Marco Zero um relato do quase eterno jurado Antonio Munhoz. Munhoz denunciou a manobra dos organizadores do festival para não deixarem a minha música vencer, posto que eu tinha sido expulso da AUAP e era considerado subversivo, além do que a canção falava mal de uma empresa local e não se sabia COMO ela havia passado pela censura dos federais. Mas este desabafo não pára aí.
Em 1971, nós do Laguinho, fomos desclassificados do Festival por causa da palavra "cachaça", que segundo os jurados, feria a moralidade da época. No ano seguinte concorri com "Devaneio" que ficou em segundo lugar e perdeu para uma tal "Morte do Rei Sapo", de Azarias Neto. Depois se constatou que a tal "Morte" era plágio de uma história de um livro infantil. Essa música sumiu e "Devaneio" veio a se tornar o primeiro sucesso fonográfico do Amapá, gravado pelo grupo "Os Mocambos" na voz de José Maria Santos, o atual Jomasan.
Essas são apenas pequenas histórias dos ditos festivais, que para uns ficam na memória como uma coisa competitiva e boa, e para outros, algo nojento e ruim. Para mim apesar dos percalços consegui vencer quatro festivais em Macapá e ser premiado em Minas e São Paulo, tentando mostrar na raça e no talento um pouco da nossa vida amazônica e dizer sobre o que poderíamos fazer para tentar mudá-la. E festival que se preza não busca apenas revelar talentos, mas valorizar o que se tem de melhor. Também.
Grande Fernando Canto !
ResponderExcluirEspero contribuir com o seu texto sobre o Festival da AUAP. Para lhe lembrar, "Grito de encontro", uma exaltação a Che Guevara, foi classificada em primeiro lugar, na primeira finalíssima e ' Pedra Negra" na segunda. Depois do resultado da primeira, eu encontrei com parte do pessoal da Auap La no Quente Frio, entre eles o Tito Nunes, irmãp do Jaime Nunes. Ele então me perguntou se era realmente uma homenagem ao Tiradentes (versão dada ao Zé Carlos na PF) , nesse momento revelei o meu muso. Vale ressaltar que o Jota Ney fez campanha de acordo com a PF.
Um Abração
Fernando MEDEIROS
Prezadíssimo Fernando Medeiros. Quem não morre de bala na Cidade Nova sempre aparece num blog de um Canto (perdido) da Amazônia. Legal?
ResponderExcluirEssas revelações sobre os festivais do pasado têm por finalidade mostrar o quanto era difícil concorrer durante a ditadura.
Depois que a tua música passou sem que os censores descobrissem a tua intenção resolveram enfrescar para o meu lado no ensaio lá na sede do Amapá Clube. O tal zé carlos só faltou me metralhar (só andava com uma metralhadora israelense no ombro) quando descobriu que a expressão "e come" queria dizer Icomi. Fui salvo pelo gongo e pelo J. Ney que fez ele tirar por menos, pois já queria me prender, o fdp. Tewmpos perigosos para a nossa música. Continue mandando. ABS.