sábado, 14 de abril de 2012

CRÔNICAS DO BAR DO ABREU

Caricatura do artista plástico Wagner Ribeiro
           As crônicas a seguir foram escritas por jornalistas e escritores, também eméritos fregueses do Bar do Abreu. Por ordem cronológica e por idade inicio com o texto do Alcy Araújo sobre o livro do Obdias, depois com o do Hélio Pennafort e finalmente a crônica do Isnard Lima. Os textos todos fazem parte do acervo de recortes do Ronaldo Abreu que a Darlhiane digitou a meu pedido.

POESIA NECESSÁRIA (*)
Alcy Araújo
            Quando obdias Araújo lançou seu livro, “Apologia” a crítica – Macapá, Belém, Rio de Janeiro – lhe foi favorável e descobriu nele um talento nascente na poesia amazônica, universalidade pela sua visão do mundo conturbado em que abriu os olhos.
            Agora o poeta vem com um segundo livro, que intitulou de “Praça Pinga Poesia & Mágoa” e chamou de “diário íntimo de um vagabundo lírico”.
            É o homem na praça, vendo a vida passar adjacente. A praça molhada de estrelas e cachaça. A praça alcoolada de luz do luar e cheia das mágoas que andam soltas pelos bancos, alamedas e gramados.
            A praça em que ele pede perdão à amada por chorar, explicando, como um menino órfão, que “tentar te esquecer doía tanto”
            Um livro que, às vezes, é um estatuto de dor e de oferta. Dou-te meu corpo/meus versos/meus ritos/meus cantos/meus mitos/meus gritos/meus prantos.
            Um livro estremamente musical, não fosse ele flautista, capaz de entender sabiás e vozes que vem do mar e batem nas pedras da praça, quando as tardes começam a agasalhar pássaros.
            Há uma herança cósmica em seus versos e um odor de bêbado em seus caminhos demarcados por passos dos que se esquecem de ficar em casa e pendularam pensamentos estuprados por mágoas infinitas, nas alamedas do seu mundo, povoado de bancos, estátuas e coretos, que se escondem por trás de canteiros enverdecidos.
            Logo mais estará, inteiramente parido, o livro “Praça Pinga Poesia & Mágoa”, onde também desfilam os homens que bebem desencantos no Bar do Abreu, nesta onírica cidade de Macapá. M.S.C.
          Bar do Abreu, com a sua estranha procissão de proletários, conduzindo de público copos, como se fossem bandeiras. Pedro Silveira, Fernando Canto, Mariozinho, Alcy e outros que tudo sabem e nada dizem.
          Estou escrevendo esta crônica, porque a poesia e os poetas são absolutamente necessários e o Obdias merece este espaço. Ele é fruto da terra, desta terra que produz pomos de argila e onde periquitos comem mangas nas mangueiras da avenida, por onde Fernando Canto passeia sua comovente sensibilidade.

(*) Publicado no jornal Amapá Estado, edição de 09 de maio de 1987

O ABREU E AS LEMBRANÇAS DE MACAPÁ (*)
Hélio Pennafort e Fernando Canto
Hélio Pennafort

“ Quem quiser bater um papo com o Abreu tem, primeiro, que esperar terminar a missa das oito de uma igreja próxima à travessa 3 de Maio, onde mora essa figura que deixou seu nome marcado na  cabeça de uma legião de biriteiros e notívagos que frequentavam o balcão e as mesas de um dos bares mais conhecidos da nossa cidade.
Depois é esperar que ele conclua a caminhada que separa a porta da igreja à calçada da sua casa, quando queima o excesso de calorias e mantém a boa forma de várias décadas.
A prática do cooper e a reza matinal são doias hábitos que Abreu cultiva desde o seu tempo de adolescente. Assim que chegou aqui em Macapá e se estabeleceu na beira de um dos campos do Laguinho (hoje ocupado pelo prédio do Sebrae), Abreu passou a rezar na igreja Jesus de Nazaré, acompanhando as missas do padre Jorge Basile, depois voltava em passo acelerado para colocar o bar em funcionamento, destampando as primeiras garrafas por volta de oito da manhã.
A partir daí o bar nunca ficava completamente vazio. Mesmo na hora do arrefecimento etílico, sempre havia alguém por lá, às vezes só para bater um papo e apreciar o Abreu ajeitar os fragos que mais tarde viraria galetos e se destrinchariam pelas mesas em forma de tira-gosto.
O Abreu lembra desse tempo com carinho, mas sem essa de nostalgia, de montanhas de saudades. Nada disso. Recorda várias passagens engraçadas na vida do bar, como as peripécias verbais do Pedro Silveira, que se valia do vozerão de locutor afamado para animar o salão nas horas de maior movimento. E das brincadeiras que a turma fazia com os colegas, como aquela de colocar respeitáveis nomes numa lista de caloteiros que era pregada na parte mais visível da parede.
Torcedor do Paysandu, desses que pegam malária quando o time perde, Abreu aguentava com paciência a gozação dos remistas que escolhiam justo o seu bar para festejar a vitória do Leão. Faziam galhofa até com o sacrossanto hino do Papão da Curuzu .
Abreu deixou por aqui uma coleção de amigos e admiradores que poucos possuem. O Mário e a Maria - Jucá e Benigna respectivamente -, o Antonio Costa e o Carlos Bezerra, o Isnard Lima e o Jeconias, o Cláudio e o Obdias, os Cantos – Juvenal e Fernando – e mais o magote que se enfronhava nos festins báquicos de todos os dias. Sempre se lembra do comandante Barcellos, que então costumava dividir as alegrias pelas sucessivas vitórias do Fluminense. Hoje, fluminensemente falando Barcelos e Abreu não do têm que se alegrar. O time perde pra qualquer fuleiro.
De modo que foi um prazer enorme reencontrar o Orlando Abreu em plena forma e mais espirituoso do que nunca.
Levamos um papo centrado no Laguinho de um tempo recentíssimo e na versatilidade do seu bar, que de um momento para outro se tranformava em alegria e arte, palco de declamadores e cantores e espaço para autógrafos de escritores.
Tudo sob os acordes das balbúrdias que são a alma e fazem a vida de todos os recantos de biriteiros.

(*) Publicado no Caderno Nota 10, Diário do Amapá, edição de 04 de novembro de 1999.

NA COPA DO BAR DO ABREU (*)
Isnard Lima

            Entre os bares famosos de Macapá, desde o Elite Bar até o Gatto Azul, há de estar em primeiro escalão, o Bar do Abreu.
            Vamos caminhar no tempo. Era noite ainda e adentrava num bar recém-inaugurado, na fronteira do Laguinho em um antigo açougue que pertencera ao Rodrigo. Estava acompanhado do poeta Alcy Araújo, que me avisava - esse bar vai ficar na história dos boêmios da cidade, Isnard. E ficou, mesmo. Isso foi em 1982. Era verão, dia 04 de agosto. Faz 20 anos. É o mais antigo, até agora. Naturalmente não se pode afirmar quanto tempo pode durar um bar.
            Depende da época, frequentadores, da história, de uma série de fatores um tanto alcoolados, que não se fixam na pátina do tempo nem no verde-limo dos mármores.
O dono era um senhor de cabelos grisalhos – o Abreu, de Soure. O nome do bar foi idéia do jornalista Hélio Pennafor, já transitado. Nele entram e saem gerações de boêmios de todas as épocas e classes. Este que agora existe na FAB é o sexto. Passou por três bairros – Laguinho, Trem e Centro. É simples. Não lembra um Pub de Londres ou uma cantina de Nápoles, nem uma cervejaria de Berlim. É brasileiro e nele se toma cachaça, vinho, cerveja preta. Frequentam-no pessoas de todos os tipos sociais – estudantes, operários, jogadores de futebol, arrivistas, funcionários públicos, aposentados ou não, profissionais liberais e mulheres independentes.
Bar e restaurante bem simples, com comida sadia para todos os bolsos. Ambiente tranquilo, onde se paquera, namora, trata de negócios, políticas, futebol, artes, etc.
Em 1995, em dezembro, ao sair meu livro Malabar Azul do prelo do Rurap, o Abreu estava no Trem. Mas ao ambiente faltava o espírito inquieto e boêmio do Laguinho. O Abreu é cosmopolita. Abre até a madrugada, conforme o movimento. As garçonetes variam – quatro à noite, uma de dia. Prato simples – peixe, feijão com arroz, piracuru, carne grelhada, etc.
Freguesia cativa como poucas no Norte e Brasil. Há um grupo seleto e antigo de fregueses. Do compositor Fernando Canto à patota de turistas que se arrisca de vez em quando. Pessoas acima de 40 anos, tranquilas que esperam da Mira o tira-gosto do dia, enquanto chegam jornalistas, repórteres, escritores e poetas. Sempre tenho o meu pratinho feito. E meu crédito em pé. Ronaldo e Marquinho assumiram o comando, agora que o Abreu aposentou e foi descansar. Mas deverá estar presente no dia 04 de agosto, na festa maior do mais famoso dos bares desta terra dos tucujus, que bebiam bacaba. Um bar para ficar no coração de todo boêmio deste Estado equatorial. Não se sabe até quando. Talvez o poeta Isnard Lima ainda esteja por aqui quando ele um dia fechar e formos beber no Parnaso.

(*) Publicado no Diário do Amapá, edição de 22 de maio de 2002.

Um comentário:

  1. Saudades do Alcy, do Isnard, e o Hélio Pennafort... Macapá é carente de escritores e jornalistas dignos de assim serem chamados. Exceto nós e mais alguns, não é mesmo, Fernando?...

    ResponderExcluir

Obrigado por emitir sua opinião.