domingo, 10 de outubro de 2010

PISAR NA PEDRA ERA PISAR NA MÃE

Publicado no jornal “A Gazeta” de domingo, 10.10.10.

Fernando Canto

Para uma sociedade como a nossa que até há pouco tempo não sofria os males da violência exacerbada, é assustador o que se vê e o que se ouve diariamente na imprensa. De um lado os acidentes e as mortes no trânsito nos deixam boquiabertos pela freqüência de eventos desastrosos nas ruas e, de outro, pela desenfreada vontade das gangues em promover a violência, principalmente nos subúrbios de Macapá e Santana. Não fosse a precisão das estatísticas bolerianas, pouco se saberia dessas atrozes notícias que deixam em cheque os setores de segurança e a população em alerta. A importância da divulgação desses fatos hediondos permite que as pessoas se isolem mais ou que pelo menos procurem formas de se proteger, de preservar suas famílias, até mesmo contra ataques de cães ferozes.

Poder ir à praça e levar as crianças já não é mais uma simples e cotidiana atividade livre de lazer, mas um jeito desconfiado de passear, dada as inesperadas ações de facínoras que roubam bicicletas de crianças à força e as deixam frustradas, traumatizadas. Muitos desses crimes se dão a luz do dia e às vezes com a presença ostensiva de policiais.

Não é excepcional percebermos movimentações estranhas em grandes eventos, como as comemorações de Natal e início de ano, shows de artistas famosos e no carnaval. As gangues já vêm para esses locais com o intuito assassino da vingança de alguma pendência grupal ou parental para um acerto de contas, como eu mesmo presenciei no desfile da Banda há alguns anos. Cada fato desses deve ter se desdobrado em outros assassinatos por vingança pela gangue rival. O assassino, oriundo desses grupos suburbanos, terá o seu momento de “glória” e de admiração pelos seus pares. Uma “glória”, diríamos, inglória e infecunda, de liderança negativa e fútil, que nada contribui para a sociedade, até ele ir parar no “hotel” do governo, como diz o Bolero em suas crônicas policiais, ou servir de pasto para urubu num matagal das redondezas.

Há inúmeras teorias para a explicação da violência. Uma teoria psicológica argumenta que os jovens se tornam delinqüentes por causa do trabalho dos pais, pois quando estes têm empregos nos quais podem ser demitidos arbitrariamente, eles transmitem este sentimento de arbitrariedade aos filhos que se tornam, então, alienados e criminosos. Alguns estudiosos sugerem que a pobreza leva à criminalidade para obter as necessidades básicas da vida. Só que esse argumento, segundo Marvin Harris, não explica por que as taxas de criminalidade são mais baixas na Índia que no Brasil nem por que as taxas são tão altas nos Estados Unidos, onde 40% dos negros urbanos morrem antes de atingir 25 anos. Pesquisas sociológicas atuais demonstram que fatores econômicos como escassez de recursos e desigualdade são importantes na explicação da agressividade humana. Mas poucas pesquisas examinam todos os fatores diferentes, como os que levam ao crime violento, para especificar a importância relativa a cada um. Os estudos feitos até há pouco tempo, de acordo com Werner, mostram que um fator muito citado, a pobreza, não parece levar necessariamente à violência.

Por aqui já se foi o tempo, segundo o pessoal do Laguinho, em que uma disputa era resolvida no muque, no braço. Não havia esse negócio de terçado, peixeira ou arma de fogo. Às vezes tudo começava na inocente e salutar brincadeira promovida pelos “encrenqueiros” de pisar ou jogar longe uma pedra que significava a “mãe” dos disputantes. E assim a porrada “comia”, a energia diminuía e o rancor se dissipava. (Crônica extraída do livro “”Adoradores do Sol – Novo Textuário do Meio do Mundo”, Scortecci, S. Paulo, 2010).

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