quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O HOMÚNCULO DO LARGO DA SÉ

Texto de Walcir Monteiro

Existem nomes de ruas e praças de Belém, que apesar de há muito tempo se terem modificado, ainda é o antigo nome que prevalece. Assim, fala-se em São Jerônimo para a Governador José Malcher, Tito Franco em vez de Almirante Barroso, Largo da Pólvora em vez de Praça da República etc. Alguns desses nomes começam a ser aceitos pela população; outros, ao contrário, continuam arraigados na mente popular. Tal é o caso do Largo da Sé. Se se falar em Praça Frei Caetano Brandão, alguns relutarão antes de localizá-las. Mas, se dissermos “Largo da Sé”, a associação com o local será feita imediatamente.

Localizado no bairro-origem da cidade, o Largo da Sé é palco de algumas histórias fantásticas, que vão desde o aparecimento de estranhos personagens nas cercanias da velha Catedral, até o fato, contado por muitos antigos habitantes da cidade, de que existe uma enorme cobra sob Belém, cuja cabeça estaria bem abaixo da catedral e a cauda sob a Basílica de Nazaré. Diz a lenda que o dia em que a tal cobra sair de seu repouso, a cidade se desmoronará e será tragada pelas águas da baía do Guajará... A crença na lenda é tão aceita por certos habitantes que, durante o tremor da terra verificado na madrugada do dia 2 de janeiro de 1970, não faltou quem dissesse que a cobra estava se mexendo e afirmasse, medrosamente, que era uma demonstração daquilo que muitos não queriam acreditar...

Em verdade, talvez o receio do lugar prenda-se ao fato de se ter conhecimento que os tupinambás aí residiam e naturalmente aí enterravam seus mortos, como também o devem ter feito os primeiros colonizadores com aqueles que não se podiam enterrar nas igrejas. Sim, porque era costume da época os sepultamentos serem realizados nos templos religiosos e somente os escravos e os condenados a morte ali não podiam descansar seus restos mortais. Tal prática, apesar de proibida em 1801 pelo então regente dom João, foi desobedecida em Belém até 1850, quando houve a epidemia de febre amarela. Portanto, na fundação da cidade até esta data, muitos foram os sepultamentos na catedral. Isto muda, naturalmente, apavora os menos e também os mais corajosos...

Certa noite, na década de 50, José, após ter tomado umas três cuba-libres, dirigia-se a pé para o bairro da Cidade Velha, local de sua residência. Ia do Ver-O-Peso. Ao passar próximo ao Largo da Sé, experimentou a sensação de estar sendo observado. Parou, olhou para todos os lados e não viu ninguém. Continuou novamente a caminhar e viu-se obrigado a parar de novo, sob aquela estranha sensação. José começou a sentir medo, um medo progressivo que foi se tornando um pavor ao ouvir um ruído.

– São ratos, pensou.

Ia continuar, mas o ruído aumentou. Era alguma coisa de diferente, que não podia ser produzda por ratos, por maiores que fossem. José quis investigar, mas a sensação que sentia de estar sendo observado, ao mesmo que tempo que não via ninguém, fez com que virasse as costas ao bueiro e pensasse em sumir dali. Foi neste instante que aconteceu. No momento em que se virou, ouviu um ruído maior no bueiro, quando ia voltar-se, sentiu-se agarrado.

Um pequeno ser de forma humana, o havia segurado pelos braços impedindo-lhe os movimentos, inclusive de andar. Eram verdadeiros tenazes que o imobilizavam. Horrorizado, totalmente sem poder mexer-se, José pôde ainda olhar e verificar que quem o prendia era totalmente coberto de pelos dos pés a cabeça. Suas mãos mais pareciam garras. José soltou um grito enregelante no meio da noite e, simultaneamente, tentou desvencilhar-se do inominável agressor.

O homenzinho peludo começou então a bater-lhe e arranhar-lhe, enquanto José gritava cada vez mais alto, pedindo socorro.

Janelas começaram a abrir-se, alguns populares acorreram e, ante sua aproximação, o homúnculo soltou José, enfiou-se novamente dentro do bueiro. Ao sentir-se solto, José perdeu o equilíbrio e caiu.

A esta altura, a luminosidade provinda das casas já clareava o local e os populares cercaram José.

– O que aconteceu?

Sem conseguir falar, José apontava para o bueiro. Ninguém entendeu. Entreolharam-se e fizeram novas perguntas.

Gaguejando, José, já em pé, falou da agressão do homúnculo e do retorno deste ao bueiro.

Uma lanterna foi providenciada e focaram dentro do bueiro. Nada. Novamente os populares se entreolharam e olharam para José. Sentiram no seu hálito das cubas que havia ingerido.

– Olhe, meu amigo, vá curtir sua carraspana em casa. Chega de estar assustando os outros com esses gritos alta noite. Vá para casa, vá descansar.

– Mas... que é que vocês estão pensando? Eu não estou “coçado”, juro! Tomei só três doses. Juro que fui agredido por um homenzinho peludo que saiu de dentro do esgoto e pra lá saltou quando vocês se aproximaram. Juro por Deus. Dou minha palavra de honra! Olhem como estou marcado!

E José apontava as marcas que tinha no corpo, produzidas pelas pancadas e arranhões do homúnculo.

Mas os populares não lhe acreditaram! Olharam divertidos pra José, dizendo que não tinha sido ele que tinha visto nada, que tinha sido “ela”, a “cana”; quando chegaram José ainda estava no chão.

- Vá, vá, rapaz, vá embora. O que você precisa é de um bom sono.

Alguns se ofereceram para deixar José em casa. Os protestos do rapaz de nada adiantaram. Ninguém lhe dava crédito.

José evitou contar o caso mesmo a seus amigos. Sempre achava que tinha sido impressão sua, que estava bêbado, etc. Daí por diante José evitou andar à noite sozinho. E nunca passava perto de bueiros e esgotos. Principalmente os próximos ao Largo da Sé...

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