quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O AMAPÁ E A GUIANA (*)

Texto de Hélio Pennafort

Quando Janary Nunes e Robert Vignon atravessaram a década de 50 governando, respectivamente, o Território do Amapá e a Guiana Francesa, o intercâmbio político-administrativo era muito acentuado entre as duas unidades.

Anualmente, caravanas de autoridades e jornalistas partiam de Cayenne para Macapá e vice-versa. Numa dessas viagens houve até troca de condecorações. Janary, em Cayenne, recebeu a estrela Negra de Benin; Robert Vignon, em Macapá, foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul.

No livro Gran Man Baka, que Robert Vignon fez publicar, o antigo governador da Guiana revive alguns momentos passados em Macapá, oferecendo ainda um elenco de observações interessantes. “As ruas eram de uma largura tão impressionante quanto a circulação era modesta. A população, muito dispersa, parecia demais primitiva. Alguns condenados, após uma estada na prisão, estavam autorizados a vir terminar suas penas neste território, dentro de uma liberdade bastante vigiada. Nada era esquecido para se obter o melhor rendimento da mão-de-obra existente. Quando visitamos um fábrica de sapatos, admirei-me de ver todos os operários de uniformes. Janary me explicou que ele tinha achado que os guardas da alfândega destinados pelo Ministério das Finanças do Rio de Janeiro a seu Território, lhe serviam com mais utilidade fabricando sapatos que guardando, simbolicamente, uma fronteira mal definida e absolutamente permeável”. Aqui Vignon deve ter confundido as coisas. Quem nesse tempo fabricava sapatos era uma turma da antiga Guarda Territorial, que nada tinha a ver com a vigilância da fronteira.

Mais adiante, ele atesta que o planejamento era vigoroso. “A educação, ensino, esporte reunidos, a religião, tudo estava entre as preocupações essenciais do governador”.

Como não podia deixar de acontecer, Robert Vignon faz uma comparação entre o Território e a Guiana Francesa nesse tempo – 1951: “Amapá nada mais é que um território de colonização onde os problemas de desenvolvimento são os mesmos que nós decidimos enfrentar na Guiana. As estruturas, no entanto, são diametralmente opostas. Nós estabelecemos uma perfeita democracia, colocando a Guiana como departamento francês, o que é perfeitamente lógico, sob o ângulo do desenvolvimento intelectual, social e político da população. Já os brasileiros escolheram um método autoritário, colocando à cabeça do território um governante com poder de ditador absoluto, prestando conta de seus atos ao Rio de Janeiro, bem distante e absorvido por outros problemas”.

Sobre a pessoa do governador do Amapá, em seu livro, Robert Vignon: “Janary era de uma personalidade extremamente cativante. Franco, direto, espontâneo, ele falava bastante francês e espanhol. Eu me hospedei na casa dele. Me fez visitar seus aposentos e admirar uma grande cama de madeira da região, de fabricação local. Sua esposa estava no Rio em tratamento de saúde. E à noite, precisei passar pelo seu quarto, quando observei que uma rede estava estendida por cima da cama. Janary me explicou, sorrindo, que era muito difícil dormir numa cama e que ele levava sua rede até quando ia para o Rio”.

Sobre a comida que provou em Macapá: “Consistia num vasto prato de feijão vermelho, farinha de mandioca, peixe e galinha assada na brasa, jacaré e tartaruga guisados com muito tempero brasileiro”. Revela a seguir “Os brasileiros não tem o complexo europeu que, sob todas as latitudes, do polo do equador, não aceitam comer além do bife com batatas fritas”.

Chega a vez do governador da Guiana relatar a viagem de Janary a Cayenne: “Combinei a sua chegada com a festa que organizava, a cada ano, para marcar o aniversário da departamentalização e da instalação do novo governo, por Jules Moch. O governador veio com uma grande comitiva e o grande momento dessa vista foi quando eu o condecorei com a medalha de Oficial da Estrela Negra de Benin. Evidentemente que o contraste entre Janary e eu, era surpreendente, com meus 1,85m e 85 quilos, dominava pesadamente Janary com seus 1,60m. ele tinha a morfologia típica dos brasileiros do norte. Silhueta curta e maciça. Quando o condecorei, ele percebeu qualquer coisa de paternal no meu abraço”.

(*) Publicado em “A Província do Pará/Jornal do Amapá” nº 312 – Macapá, 25 de agosto de 1991.

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