quarta-feira, 28 de março de 2012

CRÔNICA

Eu e Ele

Por Ruben Bemerguy

Ele palmilhava meus pés com hálito de chuva. Todas as palavras estavam caladas. Zuniam sílabas imprecisas. Eu, freneticamente imóvel as tragava e as devolvia a panos que aconselhavam tórrida escravidão. É como se me adivinhasse logo dividida em hemisférios. Isso me fazia transpirar uma resina inflamável e incontida. Ele, inclemente, me subia, aos poucos, ramificando pernas. Ali também cultivava chuva. Aquietei-me incolor. Mais rápido do que imaginei, a língua anelou-me as hastes. E enquanto ele me escavava com os lábios eu germinava o falo bem na palma da minha mão.
Prolonguei a respiração o quanto pude. Esse intervalo foi o suficiente para que eu levitasse invisível aos olhos de meu homem. Dali também bebia vagarosamente cada um de seus gestos. Atada a volúpia, logo me certifiquei que nenhum de meus cálculos era exato. Constatei também que aprendemos – eu e ele – muito com os animais não hierárquicos. Não havia macho e não havia fêmea. Só nós, nus em lã, feito forças armadas convulsivas e desordenadas. Depois voltei ao rijo esconderijo de nossos corpos.
Movíamo-nos em ziguezagues repetidos e tudo era contrário ao direito, ainda bem. Nossa ideia de justiça era sua própria abstração. Também éramos imortais naquele instante. Derivados do extinto, comprimíamos, um a um, os mais remotos poros e, assim, passeávamos famélicos e tesos.
Todas as mensagens estavam postas. Acessamo-nos. Medievais. Inexatos.
Do fole veio o sopro. A cavidade ventilada precipitou-me ao abismo dele. Latejaram os rios. Gradualmente, pernoitei, enquanto ele palmilhava meus pés com hálito de chuva. 

Um comentário:

  1. Muito interessante essa leitura, principalmente no que tange à temática... Muito lirismo e ao mesmo tempo tranquilidade ao expor esse encontro entre dois seres!!!

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