
segunda-feira, 8 de junho de 2015
O DISCURSO DISCRIMINADOR DO MARABAIXO
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Diante
de mais um fato etnocêntrico de um delegado que ameaçou parar as festas do
Marabaixo, publico este texto conclamando todos os amapaenses a defender nossa cultura
ancestral (F.C.)
O
DISCURSO DISCRIMINADOR DO MARABAIXO (*)
Texto
de Fernando Canto
Para o
amigo Herialdo Monteiro
Não é
de hoje que o Marabaixo é discriminado. Aliás, as manifestações culturais de
origem africana sempre foram vistas como ilegais ao longo da história do
Brasil. Do samba à religião, seus promotores foram vítimas de denúncias que os
boletins de ocorrências policiais e os processos judiciais relatam como
vadiagem, prática de falsa medicina, curandeirismo e charlatanismo, entre
outras acusações, muitas vezes com prisões e invasões de terreiros.
Essa
discriminação ocorreu - e ainda ocorre - em contextos históricos e sociais
diferenciados, e veio produzida por instituições que tinham o objetivo de
combater o que lhes fosse ameaçador ou que achassem associadas às práticas
diabólicas, ao crime e à contravenção.
No
caso do Marabaixo, há anos venho relatando episódios de confronto entre a
igreja católica (e seus prepostos eclesiásticos e seculares), e os agentes
populares do sagrado, estes que, por serem afrodescendentes, mestiços e
principalmente por serem pobres, foram e são discriminados, visto o ranço
estereotipado de que são “gente ignorante” e supersticiosa.
É do
século XIX a influência do evolucionismo que tomava como modelo de religião
“superior” o monoteísmo cristão e via as religiões de transe como formas
“primitivas“ ou “atrasadas” de culto. Para Vagner Gonçalves da Silva (Revista
Grandes Religiões nº 6), nesse tempo “religião” opunha-se a “magia” da mesma
forma que as igrejas (instituições organizadas de religião) opunham-se às
“seitas” (dissidências não institucionalizadas ou organizadas de culto).
É do
século XIX também os primeiros escritos sobre o marabaixo. Em um deles um
anônimo articulista o ataca, dizendo-se aliviado porque “afinal desaparece o o
infernal folguedo, a dança diabola do Mar-Abaixo”.
Ele
afirma que “será uma felicidade, uma ventura, uma medida salutar aos órgãos
acústicos se tal troamento não soar mais...”. Na sua narrativa preconceituosa
vai mais além ao dizer que
“Graças
ao Divino Espírito-Santo, symbolo de nossa santa religião, que só exige a
prática de bôas acções, não ouviremos os silvos das víboras que dansam ao som
medonho dos gritos dos maracajás (...), que é suficiente a provocar doudice a
qualquer indivíduo”. Assevera adiante “Que o Mar-Abaixo é indecente, é o foco
das misérias, o centro da libertinagem, a causa segura da prostituição”. E
finaliza conclamando “Que os paes de famílias, não devem consentir as suas
filhas e esposas frequentarem tão inconveniente e assustador espetáculo dessa
dansa, oriunda dos Cafres”. (Jornal Pinsonia, 25 de junho de 1898)
Discursos
de difamação do Marabaixo como este e a posição em favor de sua extinção
ocorreram seguidamente. O próprio padre Júlio Maria de Lombaerd quebrou a coroa
de prata do Espírito Santo que estava na igreja de São José e mandou entregar
os pedaços aos festeiros. O povo se revoltou e só não invadiu a casa padre para
matá-lo graças à intervenção do intendente Teodoro Mendes.
Com a chegada do PIME – Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras - em Macapá (1948) o Marabaixo sofreu um período de queda, mas suportado com tenacidade por Julião Ramos, que não o deixou morrer. Tiraram-lhe inclusive a fita da irmandade do Sagrado Coração de Jesus, da qual era sócio fiel.
Com a chegada do PIME – Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras - em Macapá (1948) o Marabaixo sofreu um período de queda, mas suportado com tenacidade por Julião Ramos, que não o deixou morrer. Tiraram-lhe inclusive a fita da irmandade do Sagrado Coração de Jesus, da qual era sócio fiel.
Nesse
período os padres diziam que o Marabaixo era macumba, que era coisa ruim, e combatiam
seus hábitos e crenças, tidos como hediondos e pecaminosos, do mesmo jeito que
seus antecessores o fizeram no tempo da catequização dos índios. Mas o bispo
dessa época, D. Aristides Piróvano, considerava Mestre Julião “um amigo” (Ver
Canto, Fernando in “A Água Benta e o Diabo”. Fundecap, 1998)
O
preconceito dos padres italianos com o Marabaixo tem apoio num lastimável
“achismo”. Os participantes são católicos e creem nos santos do catolicismo,
tanto que a festa é dedicada ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade e
não a entidades e voduns como pensam. Nem ao menos há sincretismo nele.
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Colheita da Murta
Foto: Fernando Canto: Arquivo pessoal
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(*) Do livro
“Adoradores do Sol – Novo Textuário do Meio do Mundo”. Scortecci, São Paulo,
2010
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