POLÍTICA, MACUMBA E
SEDUÇÃO (*)
Por J.Arthur Bogéa
Dalila Nogueira Ohana, companheira de Barata por 21
anos, teve que abandonar a própria residência na agonia de Barata, para que a
esposa, de quem estava separado há longos anos, Georgina, bancasse a viúva
oficial, ao lado das duas filhas.
Estes relatos estão no livro Eu e as últimas 72 horas de Magalhaes Barata,
de Ohana, até hoje o único best-seller paraense. No depoimento a Rocque, diz
que o companheiro “foi um ”péssimo político porque ele não tinha ardilosidade,
a manha do político”, mas faz a ressalva de que era um “grande administrador,
grande mesmo, acho que não haverá outro igual”.
Paulo Maranhão, o articulista que era o exemplo do
estilo jornalístico, encantou Assis Chateaubrand, confessou a Dalila Ohana que
“o general Barata”, ainda segundo Rocque, “foi o homem que mais me combateu na
vida, me fazendo muito mal. E eu fui o homem que mais o feriu pela imprensa”, e
acrescenta uma revelação de amor e ódio, “hoje eu sinto falta dele. Sinto falta
desse homem a quem combati tanto”.
O antigo colaborador Abelardo Condurú declarou a
Rocque, “Ele tinha realmente o seu prestígio popular, era um líder. Mas tinha
também grandes defeitos: era egoísta, vaidoso, mas inegavelmente seu enterro
bem demonstra como ele era querido pela população de Belém”.
O poeta Abguar Bastos, que por participação na
revolução de 30 teve que fugir, até ser preso em Viseu, também ex-colaborador,
no Depoimento afirma que “duas vezes
rompi com Barata, sendo que na última foi em caráter definitivo. A sua
preocupação principal era servir ao povo. Era sempre contra o poderoso, sempre
preocupado para que se abrissem caminhos para dar vantagem ao povo”.
Agostinho Monteiro, “adversário por muitos anos, de
Magalhães Barata, do tenente, major, coronel e, por último, general Barata. Fui
mesmo um dos seus mais ferrenhos adversários. Em todo esse tempo, em que
procurei, por todos os modos, combatê-lo, não consegui comprovar nenhum ato de
prevaricação administrativa”.
Bianor Penalber, que se empenhou junto a Getúlio
Vargas para a nomeação de Barata para Interventoria, e depois se transformou em
inimigo público través de artigos de jornais, admite que “houve na verdade,
dois Baratas. Antes e depois de 35”.
Para a história há três Baratas, o do anedotário
popular, o estadista para os estudiosos prós e contras e, um terceiro, ainda
pouco revelado, através de cartas e despachos que estão sendo organizados no
Arquivo Público do Pará, sob a supervisão de Maria de Nazaré Ramos, por Ana
Paula Rodrigues Rocha e Marineide Melo. Trabalham, por enquanto, as fontes primárias
da primeira Interventoria, que vai de 12 de novembro de 1930 a 1935.
Centralizador, Barata encaminhava os papéis, e um carimbo advertia que “todos
os processos devem ser devolvidos ao gabinete do Governo, após o cumprimento
dos despachos nele exarados”.
Aqui estão relatados dois casos em que houve a
preocupação de manter integral as escrituras, longe das normas ditas cultas sob
as rédeas da gramática.
DESGRAÇADAMENTE INFELIZ
Uma carta de Maria Vieira de Freitas, traz acima da
data de 8 de dezembro de 1933, um “LEIA TUDO PELO AMOR DE DEUS”. É um caso de
sedução e abandono, que daria letra de tango e script para antigos filmes
mexicanos: “jogada pelo furor do destino, neste vale de lágrimas e de dor, é
profunda a minha desventura! A minha vida é um mar feito de amarguras! Sou
desgraçadamente infeliz”.
Começava a narrativa, “casada há cinco anos,
involuntariamente separada do meu espozo (...) Em um dia, levada como todas as
outras pelo um momento de fraqueza, tão comum nas pessoas do meu sexo cedi aos
caprichos da ‘sorte’ “ - afirmativa que hoje deixaria uma feminista apoplética,
babando roxo. Enfim, os fatos: “Um ano levei, a ouvir e fugir das seduções de
um homem que jurava fazer-me feliz; até que em Fevereiro deste anno, fui a sua
residência, tendo como consequência desse mal passo – dar a uma filha em
novembro pp, e receber o desprezo do vil sedutor.
Começam então os dissabores de Maria para conseguir
o sustento da filha: “Fui duas vezes pedir-lhe auxílio. A primeira prometeu-me
bofetadas e a segunda dirigiu-me os maiores insultos”. Então “a desventura
coroada de martyrio, ‘‘ameaça o sedutor: “iria
queimar-me a V.Excia (...) está aqui (fez um gesto) duas bananas! Uma pra você
outra pro Batata”.
“Sou uma noute sem aurora!”, admite Maria, “Qual
apavorada ave, que foge da borrasca, a procura de um abrigo, assim eu vos busco
Major Barata”. Seguem-se, então, aos apelos patéticos: “Peço-vos pela honra
imaculada de vossas filhinhas pela primeira gota de leite que do seio de vossa
mãe, cahio em vossos lábios, me valha, me socorra”.
Deixa para o final da carta a revelação mais
importante, “Sabeis quem é ele? É Antonio Menezes, vulgo Massite. Proprietário
ou sócio, da firma Perreira Costa & Cia. Pois é esse portuguêz mizerável”.
E retoma as lamentações, “Caridade para um ser humano [que também] tem direito a vida! Justiça para uma ‘desventurada’ um
‘infeliz’, joguete do ‘destino’ que vos pede entre soluços, um lenitivo”.
Despacho de barata – “À assistência jurídica pª
agir, não no que me diz respeito (...) mas para mostrar-lhe que no nosso país
há leis que se fazem respeitar e cumprir”, 30/12/1933. Adendo da Assistência
Judiciária: “chamar-se pela imprensa a patrocinária para dar pessoalmente sua
queixa e apresentar atestado de miserabilidade”. 2.1.34
Conclusão do caso, assinado pelo chefe da
Assistência Judiciária J.D. Bittencourt: “em data de ontem foi plenamente
solucionado obrigando-se o acusado (...) ao pagamento de uma pensão mensal
alimentícia de R$ 40$000 (...) visto não ser boa asituação financeira do acusado,
que além do mais, casado, tem que atender também os pesados encargos da família
legítima”, 13.2.34.
DANÇA E ‘CAXAÇA’
Documento assinado por Raul Monteiro Valdez, com
data de 17.2.34, segundo delegado auxiliar, é encaminhado ao chefe de polícia,
com o resultado das investigações sobre denúncia feita a Barata por “uma
amiguinha do senhor que mora aqui no Marco”. Nem sempre as cartas enviadas ao
gabinete seguiam as normas protocolares; há uma dirigida até ao “Querido
Interventor” e assinada por “Mariquinha”.
O que a amiguinha do Marco quer delatar, e as
declarações, como em todo regime ditatorial, partiam também de sindicatos e
organizações de trabalhadores do interior, é contra uma “certa pagelança que se
organiza constantemente em casa de um guarda-civil”, e acrescenta que “as
danças são acompanhadas de caxaça”.
A denunciante, de nome Crisolda – bastante
apropriado, aliás, para uma fofoqueira -, anexa uma relação de material usado
como componente de receitas mágicas e os respectivos preços: velas, raízes,
plantas, “sangue e bosta de urubu, bosta de gato preto, pele e bosta de giboia
e terra de defunto”, além de “caxaça”.
O despacho, sem trocadilho, de Valdez é acompanhado
de um reatório “feito in loco” na casa de “José Alves da Silva e sua amásia
Rosa Alves”, esta declara que também usava infusão de ervas para que seu homem
“não seja seduzido por outra mulher”, cita ainda um receituário para arranjar
emprego e até para afastar insetos. O chefe de Polícia, por sua vez, encaminha
o relatório para o secretário-geral do Estado e intendente federal interino, o
historiador Jorge Hurley, que começa por abordar a relação amorosa entre os
dois implicados, “unidos por laços naturais [o que] é muito comum ”em todo o Estado”.
Quanto à parte dos rituais, em que Crisolda envolvia
também um motorista de Magalhaes Barata – aliás, dizendo que o interventor era
chegado a umas defumações e passes -, Hurley afirma que “estes processo de
pequena magia aborígene preocupam também os grandes centros das cidades cultas
da Europa e são tolerados desde que eles não decorram a prática de crimes”.
Hurley considera que estes rituais são uma
“imposição de força da tara aborígene” (...) “nas camadas mais incultas”.
O autor de A
Cabanagem, escreveu dois livros sobre o assunto, diz que se deve essas
crenças à “incultura das turbas populares e do atavismo”, o que não deixa de
ser uma contradição com o que afirma antes sobre essas manifestações “nos
grandes centros das cidades cultas da Europa”. “Esse paganismo lendário da
terra”, conclui, pode ser combatido através da “alfabetização e da educação”,
quando então passariam para “o campo pitoresco o folk-lore”.
(*) Publicado na Revista UNS, Julho de 1995
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