Foto do acervo cedido por Mário Correa. |
Há 28 anos o meu amigo
Mário Corrêa me convidou para escrever no informativo do Bugre do Laguinho, que
então iniciava a divulgação de suas atividades esportivas e sociais e que
também tinha a finalidade de angariar novos sócios para o clube. No periódico escreviam
João Silva, Ana Bárbara Santos, Maurício Corrêa e Milton Filho ( presidente do
Guarany nesse período), entre outros nomes. Aceitei o convite e eis aí duas
crônicas que escrevi na época já falando das coisas do nosso bairro.
Eu, empinando pipa com meus netos Leonardo e Ana Clara na Praça Chico Noé, antigo campo do América. |
LAGUINHO MORENO (*)
Texto de Fernando Canto
Antigamente o pessoal do Laguinho dividia seu
coração em relação aos clubes de futebol do bairro. Aliás, muitas paixões
emergiam e eram discutidas nas mercearias da esquina, botecos, barbearias e
açougues. Porém, todos, com exceção de um ou outro, também se uniam quando um
time do bairro tinha de jogar com algum clube do centro, ou principalmente do
bairro do Trem. Essa doce rivalidade caracterizava o ambiente psicológico da
vida social da cidade – então um pequeno núcleo que acabava ao norte no campo
do América, e ao sul, no Elesbão. Era o final da década de 60.
Naquela época eram bem menores os atrativos da
cidade. As pessoas iam ao Glicério Marques, ao cinema ou a fazendinha para se
divertir e passear. Nos dias de semana dolentemente soava o apito das cinco
horas da tarde, vindo da Olaria Territorial. Canoeiros da doca da Fortaleza
contavam suas histórias e os trabalhadores caminhavam para suas casas. Aos
sábados e domingos o Laguinho ficava movimentado quando a rapaziada vestia suas
melhores roupas para ir às festas, na sede do Sete de Setembro, do América, dos
Boêmios, ou no “Hully-Gully” do seu Pedro Dalino, para dançar boleros e as
músicas do iê-iê-iê dos Beatles, além do calhambeque do Roberto Carlos. Tudo
isso acontecia embaixo da parafernália de caixas dos sonoros “Caçula”, do seu
Nascimento (pai do Bacabal) ou do “Vascão”, do seu Soldado (pai do Lelé).
Não obstante o ininterrupto clima de alegria que
dominava as tardes e noites morenas do bairro, uma vez ou outra havia uma
briga, causada pela ciumeira de algum namorado traído. Embora fazendo parte do
ambiente, essas brigas sempre caracterizaram o pessoal do Laguinho, que não
podiam cruzar com os “cabocos” do Igarapé das Mulheres senão “o pau comia”. Por
outro lado a rapaziada do Laguinho ao ir para as festas no Igarapé sofria
pesadas represálias, com sabor bem amargo. O Saci que o diga.
As tardes laguinhenses vivem no coração de qualquer
adulto ou adolescente do lugar, que como eu, iniciava a estradeiragem pelas
ruas do bairro, aprendendo histórias e dançando Marabaixo na casa de dona Biló.
O poeta Odilardo Lima, ao cantar o nosso lugar, jamais se deixou de mencionar o
GUARANY, clube onde seu irmão Abdon foi grande ponta direita, dizia ele. E o
BUGRE fazia a festa da garotada quando treinava na Praça Azevedo Costa ou na
Praça da Saudade.
Pela saudade ou pelo romper do sol novo nessas
manhãs carentes de boas realizações, é que hoje, quando falamos de nosso chão,
fica intrínseco nosso amor por ele e pelo que há de se estabelecer no futuro,
na esperança do rio seguir para frente e desaguar no mar, natural e sereno.
Acabou o campo do América, acabou o Sete de
setembro, acabou a escuridão da Praça Azevedo Costa. Acabou a Praça da Saudade
(hoje nela está o Palácio do Setentrião), acabou-se muita coisa doce, mas ainda
ficou - desafiando o tempo e conquistando novos corações (como o deste
cronista) - o GUARANY, Fênix que renasce e voa cantando vitórias que hão de
vir.
(*) Informativo Guarany
ano I - nº 2 - fevereiro de 84
Foto disponível em www,portalamazonia.com.br |
UM DOMINGO DIFERENTE (*)
Texto de Fernando Canto
Tivemos a oportunidade de ver dia 27 de maio um dos
mais bonitos aspectos da festa do Divino Espírito Santo e da Santíssima
Trindade, no Laguinho e na Favela. É a procissão festiva do domingo do Mastro
do Marabaixo, 34 dias após o seu início, na Páscoa.
Nossa tradição remota de séculos.
Trata-se de ritual sincrético, cuja representação simbólica se baseia nos
costumes do passado, onde os ancestrais escravos faziam do evento um misto de
sagrado e do profano, já que não podiam praticar suas religiões africanas
integralmente, nem a católica, por sofrerem um processo brusco de aculturação.
Desde aí surgiram várias
características que ao longo do tempo foram se modificando e se reestruturando.
Ora, à medida que uma cidade cresce ou estagna, toda a sua vida social tende a
mudar, a corromper-se como fato, tanto, pelas condições históricas, como pelo
“progresso” que no mínimo tende a afetar a memória e o desejo de mudança, levando
ao esquecimento algumas características que jamais se recomporão. Entretanto aí
está o valor da evolução, pois as características eu acabam, podem se renovar
em outras, e delas surgir algo que beneficia o fato cultural como um todo.
No caso do Marabaixo, dá para notar
o que ocorre com ele. Para quem acompanha a evolução da cidade, observando in loco o seu desenvolvimento, irá
perceber fatores como a urbanização modificando a paisagem da cidade e
consequentemente mudando o produto desse processo, que é o homem.
O Domingo do Mastro depende
atualmente da floresta. Antes tudo era perto, hoje as distâncias para apanhar
uma árvore para fazer o mastro são cada vez maiores. Os participantes do
Marabaixo recompõem a tradição para a “Cortação do Mastro”, no sábado
precedente. Só que atualmente vão buscá-lo nas matas do Curiaú ou do Coração e
o deixam perto de onde ocorrerá a festa.
No domingo houve grande
movimentação. O Marabaixo de rua saiu enfeitando a cidade, explodindo em
alegria concomitantemente com a explosão dos foguetes e pistolas. A gengibirra
foi consumida de gole em gole e as pessoas dançaram, desfraldando as bandeiras
do Divino e da Santíssima com suas cores vermelha e branca e azul e branco, num
colorido acentuado pelas saias longas e floridas das pretas velhas. O som das
caixas retumbou e nas janelas brotaram os curiosos. Muitos passantes incontidos
pela magia dos toques dos tambores acompanharam o cortejo maravilhoso do
Marabaixo.
Foi um domingo diferente, o do
Mastro, foi um dia de respeito, de amor, devoção e festa. Foi um dia em que
fomos tangidos a preservar a tradição e acreditar que o seu não desaparecimento
depende só da gente.
(*) Publicado no
Informativo Guarany – ano I – nº 5 – maio de 1984
Amigo Fernando, agradecemos em nome da família bugrina, podemos assim dizer, essa homenagem, mais gostaríamos de personalizar a foto: em pé - da esquerda para direita: Presidente MOACIR COUTINHO, Médico LUIS ARNALDO, ALEMÃO, DIDA, GIL, MARINHO MACAPÁ, MAGNO, DIAS, PERIVALDO, VALTER, Auxiliar técnico PEDRO SABE TUDO e Massagista Sr. NEVES.
ResponderExcluirSentados: ADMILSON, CASTELO, MILTON VIDEIRA, ADEMIR PENA, mascote (atual Presidente) Advogado MAURICIO CORRÊA, ORIVALDO, CAMORIM, ELDO e BOLINHA JUCÁ. A foto é do ano de 1978. abraços.
Legal, Mário. É preciso mesmo nomear as figuras da foto. Tudo isso será importante para os pesquisadores do esporte amapaense. É um momento histórico do Guarany e do bairro do Laguinho.
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